A comunidade indígena Mbyá-Guarani da Tekoa Nhe’engatu, localizada em Viamão (RS), recebeu na segunda-feira (15) a visita de parlamentares estaduais e federais das bancadas do PT e do Psol. A comitiva esteve no território, ocupado por 57 famílias desde fevereiro de 2024, para manifestar apoio à luta contra o Projeto de Lei (PL) 280/2025, que prevê a doação de 88,8 hectares da área ao município de Viamão. A prefeitura já declarou a intenção de ceder o terreno à iniciativa privada, para instalação de um centro logístico.
A proposta estava pautada para votação na Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul (Alergs) nesta terça-feira (16), em Porto Alegre, mas foi adiada para a próxima semana, no dia 23 de setembro. O recuo abriu espaço para articulações e mobilização da comunidade, que teme ser expulsa do local caso a lei seja aprovada.
O território de 148 hectares pertence ao Estado e já abrigou a Fundação Estadual de Pesquisa Agropecuária (Fepagro). Além das casas construídas, os Guarani utilizam a área para plantio, criação de animais, práticas culturais e funcionamento de uma escola com cerca de 70 alunos. A liderança Eloir de Oliveira explica que a retirada dos 88 hectares previstos no projeto inviabilizaria a vida da comunidade.
“Tirar 88 hectares é destruir a aldeia. Estamos usando o território todo, não apenas uma parte. O espaço é para plantio, criação e moradia. Se esse pedaço for retirado, prejudica totalmente a comunidade”, afirma Eloir. “Olhando de fora pode parecer que está tudo em paz, mas não estamos tranquilos. A situação abala as famílias, principalmente as lideranças. Passamos por isso desde a chegada dos colonizadores, e agora temos a chance de mudar essa história.”
Durante a visita, deputados reforçaram a crítica ao projeto encaminhado pelo Executivo estadual em regime de urgência. O deputado estadual Adão Pretto Filho (PT), presidente da Comissão de Cidadania e Direitos Humanos da Assembleia, questionou a pressa do governo em entregar o território.
“Não entendemos a urgência do governador em doar essa área, quando Viamão já tem um território quatro vezes maior que Porto Alegre. São 57 famílias, com crianças na escola e moradias construídas. A comunidade está organizada e tem o direito de permanecer”, afirmou Pretto.

O deputado federal Miguel Rossetto (PT), que também esteve na Tekoa Nhe’engatu, destacou que a medida representa uma ameaça direta aos direitos indígenas.
“O PL 280 significa expulsar famílias, abandonar crianças que já frequentam a escola e destruir vidas que estão sendo reconstruídas aqui. Terra indígena é terra de direito, não moeda de troca. Nosso voto é contra esse projeto e contra qualquer retrocesso”, disse Rossetto.
Além dos parlamentares, a visita contou com a presença de representantes do Ministério Público e da Defensoria Pública, que acompanham a situação. Em agosto, a Comissão de Cidadania e Direitos Humanos realizou audiência pública sobre o tema, onde moradores relataram a insegurança causada pela tramitação do projeto.
Na última sexta-feira (12), o projeto PoAncestral também fez uma visita de apoio à retomada. Participaram, ainda a Associação dos Servidores Técnico-Científicos da Prefeitura Municipal (Astec), o Museu da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs), a Central Sindical e Popular (Conlutas) e o Sindicato dos Técnico-administrativos em Educação da Ufrgs, UFCSPA e IFRS (Assufrgs). No mesmo dia, a aldeia recebeu ainda a visita de campo de estudantes da Escola Estadual de Ensino Médio Santa Isabel, de Viamão, como experiência de pesquisa sobre povos originários do estado.
O debate ocorre em meio a um Acordo de Cooperação Técnica firmado entre a União e o Estado, que prevê soluções para áreas de posse indígena em troca de compensações financeiras ou imóveis federais. Para os Guarani, a proposta do governo Eduardo Leite ignora esse instrumento e avança sobre direitos constitucionais.
Com a votação transferida para a próxima terça-feira (23), a comunidade deve intensificar a mobilização em Porto Alegre. Lideranças e apoiadores planejam acompanhar a sessão plenária, cobrando que os deputados rejeitem a proposta e garantam a permanência das famílias no território retomado.