O que une o passado, o presente e o futuro do hip-hop? Essa é uma das reflexões provocadas pelo Livro Vermelho do Hip-Hop, de Spensy Pimentel. A obra foi “remasterizada”, após receber atualizações e ser relançada em 2025, quase 30 anos depois de ser escrita como trabalho de conclusão de curso em jornalismo de Pimentel, em 1997.
Por isso, a publicação é considerada um documento histórico que articula debates travados pelos movimentos negro e culturais nas décadas de 1970, 1980 e 1990 com reflexões da atualidade. Nela, o autor discute, por exemplo, como a internet e o avanço da extrema direita impactam na possibilidade de produzir e vivenciar as artes periféricas.
“O hip-hop fez em 2023 a sua comemoração oficial de 50 anos. Ou seja, já passaram várias gerações pelo hip-hop. E tem gente das novas gerações que talvez não tenha tido contato com as gerações antigas. Obras como o meu livro ajudam a conectar essas gerações e fazer as pessoas perceberem como tem um fundamento que vem de um outro momento histórico, quando a produção cultural era feita de outra maneira, antes da internet, da polarização e de todos os aparatos e instrumentos que temos atualmente”, explica, em entrevista ao Conversa Bem Viver.
Confira a entrevista completa:
Brasil de Fato – Que elementos te fizeram perceber a necessidade de retomar um trabalho feito há quase 30 anos e atualizá-lo?
Spensy Pimentel – Quando foi inicialmente escrito e defendido como trabalho de conclusão de curso na ECA, a banca teve personagens lendários: Bernardo Kucinski, que hoje é autor de romances aclamados; meu orientador Xico Sá, jornalista ainda na praça; e Milton Sales, produtor musical responsável por grande parte da história do hip-hop, chamado por alguns de “ quinto Racionais”.
Essa banca foi em 1997. Depois o livro começou a circular por xérox, passando de mão em mão. Havia pouco material. Mesmo nos Estados Unidos, os trabalhos de referência sobre a história do hip-hop eram escassos; os pioneiros estavam quase esquecidos. No final dos anos 90 e início dos 2000 houve uma virada, quando o hip-hop começou a chegar ao topo das paradas — um marco foi Lauryn Hill ganhar o Grammy em 1999. Outros artistas foram fazendo sucesso, e surgiram obras com entrevistas e memórias.
Com esta remasterização pude pesquisar coisas que não estavam disponíveis em 1997, nem quando lancei uma versão parcial mais focada na história do movimento e deixando de lado debates políticos que soavam datados no texto de 1997. Com a inclusão crescente da população negra, indígena e trabalhadora nas universidades, por meio de cotas e outras formas, surgiu um público interessado em hip-hop que passou a produzir muito material. Hoje, o banco de dados sobre hip-hop brasileiro é enorme e há dezenas e centenas de trabalhos excelentes.
Na base, porém, o Livro Vermelho permaneceu como referência. Achei que valia a pena revisá-lo, acrescentando e revisando informações. Fazer pesquisa em 1997 sobre esse tema, sem acesso ao material estadunidense, era mais difícil. Na época, entrevistei muita gente de São Paulo, Brasília, Rio, Pernambuco e depois de outros lugares, mas a parte estadunidense era mais inacessível.
Nesta nova versão, incorporei muitos outros materiais. Também a discussão sobre a questão negra nas Américas avançou muito desde os anos 90. Os debates acadêmicos deram um salto. Então pude acrescentar várias questões que espero que enriqueçam a leitura, tanto para quem conhecia o livro quanto para quem não conhecia.
Atualmente, parte dos MCs estão incorporando uma “roupagem de empresários” e se desvinculado da origem do movimento?
O hip-hop fez em 2023 a sua comemoração oficial de 50 anos, partindo das festas dos bairros negros e latinos em Nova York. Ou seja, já passaram várias gerações pelo hip-hop. E tem gente das novas gerações que talvez não tenha tido contato com as gerações antigas.
Obras como o meu livro ajudam justamente no sentido de conectar essas gerações e fazer as pessoas perceberem como tem um fundamento no passado, que vem de um outro momento histórico, quando a produção cultural era feita de outra maneira, antes da internet, da polarização e de todos os aparatos e instrumentos que temos atualmente.
Isso traz uma reflexão: o contexto de produção cultural, originalmente, surgiu em ambientes de muita agressão aos movimentos populares, nos EUA e no Brasil também. Aqui, vivíamos sob ditadura. Às vezes se diz que no começo era só diversão. Um pioneiro disse numa entrevista que “a gente não tinha noção que estava construindo uma indústria multibilionária; estávamos só nos divertindo, fazendo uma festa de bairro”. Mas o contexto não era simples.
Mas essas festas e produções locais, inicialmente tímidas e confinadas nos bairros, aos poucos se espalharam, especialmente com a gravação de discos no final dos anos 1970, e se tornaram uma indústria bilionária. Muitos dos nomes mais conhecidos hoje são rappers ou trappers. Mas o movimento continua na base: batalhas de rima, eventos de cultura de rua, presença nas comunidades, mantendo o espírito original de produzir arte mesmo sem gerar bilhões.
Muitos estados do Brasil reconheceram batalhas de rima e elementos do hip-hop como patrimônio cultural, com muita presença nas comunidades e mantendo aquele espírito original. Essas duas dimensões — indústria e base — caminham em paralelo e é preciso pensar como apoiar o trabalho de base nas comunidades, fortalecer e politizar esse trabalho. No começo, letras de rap eram brincadeiras e meros desafios entre MCs e foram se politizando, chegando aos grandes raps dos anos 1980 e 1990, como Public Enemy e Racionais.
Ainda existe também a dimensão da repressão? Como podemos combatê-la?
Por mais que o hip-hop movimente milhões como indústria, vemos que a base nas periferias segue sendo visada e violada pela polícia e por um arcabouço jurídico que trata a população negra como inimiga. É por isso que o livro retorna: para pensar como essas expressões populares, além do hip-hop, incluindo por exemplo o samba e outras manifestações, podem ser fortalecidas. O hip-hop nasceu latino e afro-indígena, de tradições como o funk nos EUA dos anos 1960 e 1970 e depois deu origem a formas locais, como o funk carioca, que também é perseguido.
Houve momentos em que havia maior aproximação entre artistas e movimentos sociais; Milton Salles, por exemplo, conectou Racionais a debates com o PT e projetos em escolas para discutir evasão escolar. Será que isso ainda existe? Há editais recentes, inclusive do governo federal, mas será que o apoio está sendo dado na medida necessária para fortalecer essas culturas populares? Será que está sendo percebido todo o potencial que tem? O livro busca trazer esse debate.
Acredito que um caminho possível é refazer laços com as comunidades por meio da arte e da cultura, apoiando iniciativas que permanecem nas comunidades. Também há a questão da atenção pública: será que hoje se dá a mesma atenção que se dava nos anos 1980 e 1990? Muitos coletivos se ergueram com apoio político e comunitário, mas hoje isso é mais fragmentado. Precisamos pensar políticas e formas de apoio que fortaleçam organizações populares.
O seu livro remete ao Livro Vermelho de Mao Tsé-Tung? Qual foi sua intenção?
O nome surgiu quando, estudante de jornalismo, vi num filme de Melvin Van Peebles sobre os Black Panthers uma cena em que eles vendiam cópias do Livro Vermelho de Mao para angariar fundos para a sua organização. A referência do Livro Vermelho dos Panthers me inspirou a chamar o livro de Livro Vermelho do Hip-Hop.
Mantive o nome porque quero que as pessoas percebam esse passado de tudo o que está nas periferias e a conexão histórica. Muitas vezes as raízes das manifestações periféricas não são percebidas. Às vezes as pessoas não percebem, mas a perseguição é secular — desde os séculos 17 e 18 houve repressão às manifestações musicais e de dança dos povos indígenas e africanos, porque a música e a dança uniam comunidades e podiam fomentar rebeliões. Nos EUA, houve repressão direta aos tambores.
E hoje esse debate é pressionado pela extrema direita e pelo supremacismo branco, o que nubla a percepção sobre o potencial das manifestações. Às vezes até pessoas das periferias se afastam dessas manifestações, não percebendo o potencial delas. Se há questionamento ao conteúdo dessas manifestações, talvez seja porque falta diálogo e formação política sobre o passado e a memória.
No livro tento resgatar memória e mostrar que vários militantes dos movimentos negros e indígenas nos EUA chegaram a ser presos. Retomar essa memória é parte de fortalecer a cultura e vinculá-la às lutas dos povos.
Conversa Bem Viver
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