A revolução em curso nos países do Sahel é popular, tem amplo apoio social e confronta a narrativa de “golpes militares”, afirmam ao podcast O Estrangeiro, do Brasil de Fato, a coordenadora da Secretaria da Assembleia Internacional dos Povos (AIP) Stephanie Brito e o repórter do BdF Pedro Stropasolas, que passou quase três meses na região. Para Stropasolas, “esses governos nem existiriam lá se o povo não estivesse junto.”
Segundo o repórter, o envolvimento popular se expressa tanto na defesa dos novos governos quanto na execução de obras e políticas. Ele relata vigílias cidadãs em 45 províncias de Burkina Faso após uma tentativa de golpe e exemplos de mobilização espontânea no Níger contra a presença militar francesa. “O povo saiu às ruas, foi uma principal força para impedir essa invasão”, diz, sobre a ameaça da Comunidade Econômica dos Estados da África Ocidental (Cedeao) ao Níger.
Em Burkina, o jornalista descreve o mutirão do Faso Mêbo (projeto de pavimentação de estradas) e a adesão de trabalhadores de diversas áreas. “Era uma mistura entre pobres e ricos, todos lá fazendo cimento. Teve até um senhor de 70 anos que pedalou com um saco de cimento para contribuir”, conta.
Stropasolas também ressalta a dimensão simbólica e histórica do processo em Burkina Faso, com o presidente Ibrahim Traoré reivindicando o legado de Thomas Sankara e reabilitando lemas e memórias da revolução de 1983–1987. “É interessante como tem uma mística envolvendo o governo atual, e como são importantes também os simbolismos”, observa.
Ele acrescenta que a Aliança dos Estados do Sahel (AES) vem ganhando simpatia em países vizinhos, inclusive em nações ainda alinhadas a Paris. Segundo uma pesquisa da Sagaci Research para a revista Jeune Afrique, publicada em 15 de setembro, 77% da população de seis países da África Ocidental aprovam a união entre o Mali, o Níger e Burkina Faso. O apoio é maior no Togo (84%), seguido de Camarões (82%), Guiné (80%), Benim (78%) e Costa do Marfim (66%). O Senegal tem a adesão mais moderada, de 69%, explicada pelo estudo como um reflexo do discurso soberanista presente no país com Bassirou Diomaye Faye e Ousmane Sonko.
Imperialismo no centro do conflito
Stephanie Brito sustenta que o eixo do conflito não é religioso, mas colonial. “É fundamental frisar que os camaradas do Sahel defendem que eles não têm um problema de fundamentalismo religioso, nem um problema de terrorismo, mas um problema de imperialismo”, afirma. Para ela, a continuidade de mecanismos coloniais, com o papel central da França, mantém a violência e a pobreza para viabilizar a espoliação de recursos estratégicos.
A coordenadora do AIP também aponta o alcance continental do exemplo saheliano. “O perigo do Sahel para os países imperialistas é que hoje o Sahel é enxergado pela juventude do resto do continente africano como uma esperança, uma visão de uma transformação possível e um retorno do projeto de unidade pan-africana em torno de um projeto continental de transformação não só política, mas também econômica, que tem como eixo fundamental a nacionalização dos recursos”, aponta.
Na disputa geopolítica, Brito diferencia a atuação da China e da Rússia da política colonial francesa. De acordo com ela, “a China tem uma perspectiva sobre como construir relações comerciais que é muito mais igualitária”, enquanto “a Rússia está apoiando com financiamento, armas e tecnologias”, inclusive satélites para inteligência e segurança, algo negado pelo Ocidente.
Sahel: Pátria ou Morte
Sobre esse tema, o documentário Sahel: Pátria ou Morte, do Brasil de Fato, dirigido por Pedro Stropasolas, estreia nesta quinta-feira (18), às 19h, no YouTube do Brasil de Fato, com 23 entrevistas realizadas na região. Até o fim de setembro, a livraria Expressão Popular, no centro da cidade de São Paulo, recebe uma exposição de fotos com registros feitos durante a produção do filme.
O podcast O Estrangeiro vai ao ar toda quarta-feira às 11h no Spotify e YouTube.