A operação da Polícia Federal que desmantelou um esquema de corrupção na Agência Nacional de Mineração (ANM) revela não apenas a captura de órgãos públicos por mineradoras, mas também a fragilidade de todo o modelo de exploração mineral no país. A avaliação é de Luiz Paulo Siqueira, da Coordenação Nacional do Movimento pela Soberania Popular na Mineração (MAM), e do geógrafo Wagner Ribeiro, professor da Universidade de São Paulo (USP), em entrevistas ao Conexão BdF, da Rádio Brasil de Fato.
Segundo Siqueira, ainda não é possível mensurar a extensão do esquema, que já aponta um prejuízo de R$ 18 bilhões com a extração ilegal de minério e a apreensão de R$ 1,5 bilhão em patrimônio da quadrilha. “A tendência é ter uma magnitude ainda maior do que já foi noticiado pela Polícia Federal e pela mídia”, revela. “Esse modelo de mineração que visa o lucro acima da vida, acima das pessoas, da natureza, vai gerar novos crimes, novos rompimentos, novas tragédias da mineração”, alerta.
O aviso ganha força diante das tragédias recentes da mineração no Brasil, como os rompimentos das barragens da Samarco, em Mariana (2015), e da Vale, em Brumadinho (2019), que deixaram centenas de mortos e contaminaram rios inteiros em Minas Gerais.
Na mesma linha, Ribeiro considera a ação da PF “muito preocupante”. Para ele, o Brasil voltou a se consolidar como uma economia de produtos primários voltados à exportação, tendo a mineração como eixo central. “O segmento repleto de capital internacional separa elementos químicos importantes utilizando, muitas vezes, materiais de alto impacto à saúde, como o mercúrio”, diz.
Os impactos, segundo o professor, muitas vezes recaem sobre comunidades ribeirinhas. “Isso, depois chega aos corpos d’água, é adquirido pelos peixes, que são a base da alimentação da população ribeirinha e que acaba se integrando, muitas vezes, com indicadores de mercúrio no corpo bastante elevados, muito além do que deveria se registrar”, explica.
Captura do Estado e flexibilização ambiental
Para Siqueira, evitar novas tragédias passa pelo fortalecimento do serviço público. “É fundamental fortalecer os órgãos ambientais, atender a esse conjunto de reivindicações elaboradas pelo Sindicato dos Servidores Estaduais do Meio Ambiente [Sindsema], assim como a ANM, com a fiscalização dos empreendimentos, para evitar esse tipo de tragédia”, diz. Ele lembra que servidores do Sindsema estão em greve desde o início do mês, reivindicando reajuste salarial e recomposição de quadros. “O governo faz contratações políticas, indicadas pelas próprias mineradoras, que foram esses sujeitos que facilitaram e conduziram todo esse processo criminoso”, completa.
A crítica do dirigente se soma ao alerta de Ribeiro de que a flexibilização da legislação ameaça ampliar riscos. “Não é possível minerar esse material [terras raras] sem qualquer garantia, salvaguarda ambiental. Quem vai ficar com os ganhos dessa mineração e quem vai pagar o passivo? Depois que tira o material, evidentemente fica lá não apenas o buraco, mas muitas vezes também os contaminantes que são utilizados para separar esses 17 elementos químicos”, destaca o professor.
As terras raras são um grupo de minerais, atualmente no centro de disputas internacionais, fundamentais para tecnologias do futuro, de smartphones a equipamentos militares de ponta. O coordenador do MAM critica a possibilidade de negociação de jazidas brasileiras com os Estados Unidos em troca de acordos comerciais. “Seria um crime de lesa pátria colocar isso nessa discussão. O que nós devemos fazer é utilizar esses bens minerais a serviço de um projeto de Brasil”, defende.
Siqueira recorda que a privatização da Vale e as mudanças constitucionais dos anos 1990 abriram o caminho para a entrada de capital estrangeiro e a perda de controle público sobre o setor. “Fernando Henrique Cardoso revoga esse dispositivo da Constituição, permitindo a exploração dos bens minerais ao capital estrangeiro. Com a privatização da Vale, ele coroa o novo redesenho do modelo de mineração no Estado brasileiro. O Estado passa a ser um mero concessor dos direitos minerários, abrindo toda a fronteira e nossos bens minerais ao grande capital estrangeiro. Segue uma lógica de Brasil colônia: a riqueza vai e a pobreza fica”, relata.
PL da devastação e lobby minerador
Siqueira lembra ainda que o lobby das mineradoras conseguiu incluir o setor no Projeto de Lei (PL) da Devastação, que flexibiliza licenciamentos ambientais. “Fizeram um grande lobby, conseguiram incluir a mineração dentro do bojo do texto. Mas a mineração já consegue atuar em território nacional com as porteiras abertas”, declara.
Ele repudia também a postura do governador de Minas Gerais, Romeu Zema (Novo), que teria implementado medidas semelhantes no estado. “Ele pegou o texto do PL da Devastação e já implementou aqui. Para as mineradoras, facilita as licenças, no discurso de quebrar a burocracia, mas entregando nossas riquezas e destruindo comunidades e o meio ambiente”, lamenta.
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