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Estado criminaliza pancadões por medo da favela se organizar, diz doutor em Funk pela USP

Para Thiagson, Joselício Jr. e Chavoso da USP, comissão “memetiza política” e ignora saídas para lazer nas quebradas

A Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) dos Pancadões da Câmara Municipal de São Paulo (CMSP), instalada em maio e prorrogada por mais 120 dias, vem sendo conduzida em “tom policialesco” e convertida em arena de criminalização da cultura periférica, apontam cientistas sociais ouvidos pelo podcast Três por Quatro, da Rádio Brasil de Fato.

O presidente da comissão, vereador Rubinho Nunes (União), e o relator Lucas Pavanato (PL) foram citados pelos convidados como exemplos de uma estratégia que prioriza cortes para redes sociais em vez de soluções para o conflito entre os direitos ao lazer e ao descanso.

Para Tiago de Souza, o Thiagson, doutor em Funk pela Universidade de São Paulo (USP), a comissão repete velhas táticas. “Essa CPI ensina que realmente os políticos são ótimos em decepcionar a espécie humana”, lamenta. Segundo ele, os trabalhos têm servido à autopromoção. “Chamam influenciadores e artistas para criar um círculo midiático”, denuncia. Ao comentar a forma como o tema é explorado, ele acrescenta que “Rubinho Nunes é uma expressão do que vemos chamando de memetização da política.”

Convidado a depor na CPI e entrevistado pelo programa, o pesquisador Thiago Torres, conhecido como o Chavoso da USP, relata a falta de diálogo nas oitivas. “Não houve, porque esse não é o intuito do Rubinho. O intuito dele já é criminalizar os bailes, os frequentadores, os funkeiros e o movimento de um modo geral”, observa.

Para ele, o impasse existe dentro das próprias periferias, mas o Estado tem responsabilidade central por não oferecer moradia e equipamentos culturais. Como medida imediata, ele defende políticas públicas de infraestrutura. “Dá pra pensar em coisas direcionadas para o funk, para o baile funk, como a construção de espaços onde isso possa ser realizado”, sugere.

O sociólogo Joselício Jr., doutorando em Mudanças Sociais pela USP, relaciona a CPI ao ambiente político nacional e critica o uso de pautas que reforçam preconceitos contra a periferia como forma de ganho eleitoral. Para ele, a esquerda precisa encarar o tema sem romantizações, olhando tanto para quem sofre com o barulho quanto para a juventude que se expressa nos bailes. “A resposta que o conservadorismo, que as elites do Brasil apresentam não é uma novidade. É tiro, porrada e bomba. Precisamos encontrar outra saída”, aponta.

Ao tratar do lugar do funk na cultura brasileira, Thiagson lembra que a perseguição a manifestações pretas e periféricas é antiga. “O funk é a música preta brasileira, preta periférica”, indica. Ele cita registros coloniais que proibiam a população negra de promover bailes como evidência de longa data da repressão.

Já Joselício Jr. retoma autores como o sociólogo Clóvis Moura (1925-2003) para sustentar que o racismo estrutural e o controle territorial orientam quem é alvo do Estado.

Os três entrevistados concordam que ações pontuais e espetaculares, como apreensões e abordagens filmadas, “enxugam gelo” e estrangulam a economia popular sem enfrentar o problema. Para o Chavoso da USP, a cidade precisa ofertar espaços gratuitos, adequados e com gestão compartilhada por agentes do próprio movimento (MCs e DJs), de modo a reduzir os conflitos com moradores. Thiagson reforça que o debate deve reconhecer a potência cultural do funk e combater preconceitos que o associam automaticamente ao crime.

O vereador Rubinho Nunes foi convidado pelo programa para participar do debate, mas não compareceu nem enviou vídeo.

Para ouvir e assistir

O videocast Três Por Quatro vai ao ar toda quinta-feira, às 11h ao vivo no YouTube e nas principais plataformas de podcasts, como o Spotify.

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