A mobilização contra a tramitação da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) da Blindagem e do Projeto de Lei (PL) da anistia aos golpistas de 8 de janeiro no Congresso Nacional levou milhares de pessoas às ruas em diferentes capitais no domingo (21). Em Porto Alegre, o protesto percorreu vias centrais da cidade e reuniu mais de 14 mil pessoas, segundo estimativas independentes.
Nem o clima instável nem a realização de um clássico de futebol no mesmo horário impediram a adesão ao ato. O chamado Dia Nacional de Luta buscou expressar a rejeição popular aos projeto colocados em pauta pela Câmara dos Deputados. A concentração ocorreu na avenida Osvaldo Aranha e seguiu pela rua José Bonifácio até o Largo Zumbi dos Palmares, após passar pelo Parque da Redenção.
Faixas e cartazes exibiam mensagens como “Não à PEC da Bandidagem” e “Sem Anistia”, ecoando a insatisfação com medidas que, segundo os organizadores, representam ameaças à democracia.

PEC da Blindagem e anistia a golpistas
A PEC da Blindagem foi aprovada em regime de urgência na Câmara dos Deputados. O texto prevê que parlamentares só possam ser processados criminalmente com autorização da maioria absoluta da própria Casa. Entidades jurídicas e organizações sociais apontam que a medida enfraquece a atuação do Judiciário e cria um mecanismo de autoproteção para parlamentares investigados por corrupção ou outros crimes.
Outra proposta em debate é a anistia para pessoas condenadas por participação nos atos de 8 de janeiro. O projeto busca reverter decisões judiciais contra aliados do ex-presidente Jair Bolsonaro, considerados responsáveis por ataques ao Supremo Tribunal Federal (STF) e ao Congresso.
A mobilização do domingo foi organizada como resposta a essas iniciativas. Em Porto Alegre, a multidão chegou a ocupar um quilômetro da avenida Osvaldo Aranha. Segundo estimativas independentes, que utilizaram imagens aéreas e sistemas de inteligência artificial, o público estimado foi de 14 mil pessoas, considerando apenas parte do percurso.

Juventude universitária
A coordenadora-geral do Diretório Central dos Estudantes da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (DCE/Ufrgs), Nyara Dy Luz, explicou como a tentativa de restringir mobilizações é usada politicamente por parlamentares que defendem a anistia: “Censura é o que fazem com o povo brasileiro quando eles votam projetos de leis dessa forma, que querem inclusive nos coibir a sair às ruas. Não é censura quando a gente vê o povo na rua organizado, reivindicando suas pautas. Mas para eles é censura quando não podem fazer com que sua liberdade de expressão seja uma liberdade de expressão de ódio, quando cometem esses crimes de ódio, discursos golpistas e odiosos. O que a gente fala é que essas coisas não podem acontecer no Estado democrático de direito”.

A voz das ruas
Entre os participantes, estudantes e manifestantes ressaltaram a importância de ocupar as ruas diante da conjuntura política. A estudante Maria Gabriela Casagrande sintetizou o clima do dia: “Hoje além de Grenal, é dia de lutar pela democracia. O Congresso tá lá em Brasília fazendo uma sacanagem com o povo e a gente precisa retornar o nosso poder”.
O manifestante Thiago Martins destacou que a defesa da democracia é um caminho sem volta: “Eu acho que ditadura ficou para trás e o nosso futuro é essa luta maravilhosa de paz, amor e uma democracia firme. Salve aí o nosso presidente Lula e a luta pelos trabalhadores”.

Centrais sindicais e movimentos populares
O presidente da Central Únicas do Trarbalhadores (CUT-RS), Amarildo Cenci, reafirmou o posicionamento das centrais contra os projetos em tramitação. “Manifestamos nossa oposição a qualquer forma de anistia a indivíduos envolvidos em atos criminosos que atentaram contra a democracia e o Estado de direito no Brasil. Observamos com preocupação a tramitação de propostas legislativas, como a PEC, que visa proteger parlamentares de investigações por crimes cometidos. Tal iniciativa é um ataque inaceitável à Constituição e aos princípios democráticos.”
Ele ainda reforçou o chamado de unidade popular contra os privilégios. “Todos os movimentos sociais, centrais, partidos e o povo que tá de saco cheio de bandidos no Congresso Nacional que querem anistia e querem botar sigilo e proteger a bandidagem. Nós somos contra, fora a PEC da sacanagem e da bandidagem e sem nenhuma anistia para golpistas”, defendeu.

Parlamentares e lideranças políticas
A deputada federal Fernanda Melchionna (Psol-RS) destacou o papel da mobilização popular: “Esse é o nosso método, ocupando as ruas, não acreditando nos conchavos do centrão, da extrema direita, do Congresso inimigo do povo, que não pauta nada do que é importante para população brasileira e está sempre tentando manter a casta dos privilégios dos políticos”.
A deputada estadual Sofia Cavedon (PT) avaliou que a mobilização é uma reação legítima ao que classificou como “aviltamento” do parlamento. “Essa reação de hoje, que é uma reação no Brasil inteiro, que é das classes populares aos artistas, intelectuais, movimentos sindicais e juventude, mostra a pujança da nossa democracia que nessa semana que passou foi perigosamente aviltada. Quem assistiu as sessões da Câmara se sentiu injuriado, porque nós estamos vivendo pela primeira vez a justiça sendo feita com militares, com quem atenta contra a democracia pela primeira vez nesse Brasil”.
Cavedon criticou a “ousadia” do Congresso de pautar sua própria blindagem diante de acusações graves. Segundo ela, em vez de responder à Justiça ou a crimes ligados a “emendas distorcidas, corrompidas, ou até mesmo relações com o tráfico”, os parlamentares se colocaram fora de qualquer possibilidade de julgamento. A deputada considera um “deboche” a decisão de manter o voto secreto para “proteger colegas criminosos”.
O deputado estadual Matheus Gomes (Psol) ressaltou a representatividade do ato. “O maior ato que a gente teve desde o segundo turno das eleições de 2022, e a nível nacional também, uma demonstração nas ruas daquilo que as pesquisas já estavam apresentando, de que há uma maioria do povo brasileiro contra a anistia.”
Segundo ele, a aprovação da PEC da Blindagem revoltou todo mundo nas redes e levou o povo às ruas em atos por todo o país. “Contaram com a presença de um amplo segmento da cultura, das artes a nível nacional. E esse é o espírito de quem quer realmente defender a liberdade de expressão, de quem quer impedir que os golpistas possam ter espaço no nosso país.”
O presidente da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), Edegar Pretto, foi direto ao ponto em sua intervenção: “Sem anistia, sem perdão. Remédio para golpista é esta voz do povo brasileiro neste domingo nas ruas, como aqui em Porto Alegre e outros lugares do Brasil”.

1,5 milhões de assinaturas contra a PEC da Bandidagem
A mobilização também se expressa por meio de abaixo-assinados. Até o momento, um milhão e meio de assinaturas já foram coletadas em repúdio à chamada PEC da Bandidagem. O objetivo é ampliar a pressão social sobre o Congresso nesta semana, considerada decisiva para a tramitação da proposta.
O documento pode ser assinado pela internet no endereço: link.