Ouça a Rádio BdF

‘Brasil tem cada vez mais bissexuais’, diz pesquisador e fundador do Museu Bissexual Brasileiro

Pelo menos 1,1 milhão de brasileiros se relacionam com mais de um gênero

O Dia da Visibilidade Bissexual é celebrado anualmente em 23 de setembro. A data articula duas dimensões importantes: a denúncia das violências e, sobretudo, o anúncio da possibilidade de construção de uma sociedade que respeite a diversidade. 

Em 2022, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) divulgou um primeiro levantamento sobre homossexuais e bissexuais no Brasil. A pesquisa, que reúne dados coletados em 2019, indicou que pelo menos 1,1 milhão de brasileiros se relacionam com mais de um gênero. 

O aumento da presença desse público entre os LGBTQI+ no último período também é destacado pelo historiador, antropólogo e fundador do Museu Bissexual Brasileiro (MBB), Inácio Saldanha, em entrevista ao Conversa Bem Viver.

“As pesquisas têm trazido cada vez mais dados sobre o quanto as pessoas bissexuais têm se tornado mais numerosas. Cada vez mais, pessoas jovens e até mesmo algumas mais velhas têm se identificado como bissexuais, formando uma parcela muito expressiva da população LGBTQI+. Isso é visível nas paradas do orgulho, nas escolas, em espaços de sociabilidade, nas políticas”, enfatiza. 

Para o pesquisador, isso evidencia a necessidade de pensar políticas públicas que contemplem a população bissexual e superar antigos mitos e estereótipos. “É importante incluirmos  a bissexualidade em qualquer debate ou preocupação em relação à população LGBTQI+.  Não temos como propor políticas pensando só em homossexualidade ou transgeneridade.”

Saldanha também explica como surgiram os termos monossexualidade e bissexualidade, além de elencar debates e temas que merecem aprofundamento, como a própria questão da heterossexualidade. 

Confira a entrevista completa:

Brasil de Fato – Recentemente você participou de um debate com o tema “mitos e estereótipos: o que é ser bi?”. Para você, o que significa a bissexualidade?

Inácio Saldanha – Essa foi uma atividade proposta pelo Centro de Referência LGBTI+ Laura Vermont, localizado na zona leste de São Paulo, junto com pessoas LGBTQI+ que participam do programa Transcidadania, do município de São Paulo.

O debate foi proposto pensando em como levar esse tema para pessoas que não têm muito contato, o que, na verdade, é um um certo engano, porque todo mundo, de alguma forma, tem algum nível de relação com essa temática. A questão é qual relevância damos para o assunto e como lidar com tantas visões estereotipadas e prejudiciais que existem sobre a bissexualidade.

Ainda temos vários problemas que se repetem ao longo de muitas décadas. O movimento bissexual não começou hoje. Mas os mitos, por exemplo, de que a bissexualidade não existe, de que é apenas uma fase ou de que pessoas bissexuais são promíscuas, ainda persistem. Associam a sexualidade das pessoas à moral delas. 

Acho que o principal problema dessas ideias passa pela retirada da autoridade da pessoa de poder falar sobre si mesma. Há também a concepção de não tratar esse tema como urgente, o que reproduz uma certa redução da questão da bissexualidade a um nível individual.

Pensar como a coletividade bissexual é afetada é um grande desafio e a ausência do debate causa prejuízo e sofrimento, impactando a vida de uma população de forma geral, inclusive economicamente. Isso é relevante para pensarmos qualquer política ou debate sobre LGBTQI+ hoje.

As pesquisas têm trazido cada vez mais dados sobre o quanto as pessoas bissexuais têm se tornado mais numerosas. Cada vez mais, pessoas jovens e até mesmo algumas mais velhas têm se identificado como bissexuais, formando uma parcela muito expressiva da população LGBTQI+. Isso é visível nas paradas do orgulho, nas escolas, em espaços de sociabilidade, nas políticas, etc. 

Então, é importante incluirmos  a bissexualidade em qualquer debate ou preocupação em relação à população LGBTQI+.  Não temos como propor políticas pensando só em homossexualidade ou transgeneridade, sem considerar que as pessoas bissexuais precisam estar contempladas.

Quão difícil é hoje se assumir uma pessoa bissexual?

Esse tema também apareceu nessa atividade com os travestis. Mesmo pessoas que estão acostumadas a lidar com muita violência e enfrentar condições de muita vulnerabilidade têm medo de se assumir bissexuais por conta do julgamento. 

Eu não acho que todo mundo tem que se identificar como bissexual, mas muitas pessoas deixam de fazer isso pelo receio. Existem registros históricos, por exemplo, de figuras que foram muito importantes para formação do movimento LGBTQI+ dizendo “eu sempre fui bissexual, mas chegou um momento em que eu tive que ficar só com um lado meu””.

Isso tem se repetido muitas vezes, não só em espaços de militância, e pode afetar também a forma como a pessoa se sente segura nos espaços em que ela vai adentrar, seja de trabalho, família, amizades, entre outros. 

https://open.spotify.com/episode/2Dx2iNLTGSMsFAHOQFSaUH?si=b6b91a5da6394492

Sabemos hoje que a maior parte das violências sofridas por pessoas bissexuais acontece em relações próximas e  interpessoais. Então, esse sentimento de insegurança e de falta de confiança traz muitos impactos.

O processo de se assumir acaba sendo uma coisa constante, porque você se assumir bissexual não quer dizer necessariamente que as pessoas vão aceitar, reconhecer ou entender. Muitas vezes, elas vão, inclusive, demandar que você fique reforçando isso o tempo todo. Ou seja, o processo de sair do armário é constante. 

Esse é um outro desafio para pensarmos: por que ainda há essa necessidade de se assumir uma coisa ou outra? Então, eu diria que, mais do que uma questão apenas pessoal e individual, há uma questão sobre como a sexualidade é pensada. 

Debater sobre isso ajuda inclusive a entender porque gays e lésbicas também são oprimidos e vítimas de violência. A posição binária funda as nossas relações e a forma como a gente se entende enquanto sociedade.

Como surgiram os conceitos de monossexualidade e bissexualidade?

O termo monossexual é muito antigo, assim como o termo bissexual.  Eles são anteriores à forma como a gente entende essa classificação hoje. A própria homossexualidade como a gente concebe hoje não existiu sempre.

As pessoas sempre tiveram práticas com pessoas do mesmo gênero ou não, mas isso não necessariamente é a mesma coisa que homossexualidade ou bissexualidade. Até porque essa distinção nem sempre existiu. A ideia de homossexualidade aparece num determinado momento no século 19. 

O termo bissexual é mais antigo ainda. Existem alguns registros de palavras parecidas desde o século 17 na literatura médica, mas vai ganhando força no romantismo e no evolucionismo do século 18. 

A ideia da diferenciação e das desigualdades que estruturam a nossa sociedade surge como uma marca da modernidade.  As pessoas anteriormente eram bissexuais mas passam a ter uma diferenciação: são homens ou mulheres; são heterossexuais ou homossexuais; são brancas ou negras; são ricas ou pobres; e assim por diante.

Havia a ideia de que os povos antigos, as espécies anteriores, eram “primitivas”, bissexuais, “promíscuas”. Hoje isso pode parecer uma comparação absurda, mas era o que estava literalmente escrito nos livros no século 19. Foi uma coisa que fundou, basicamente, também todas as políticas imperialistas que se desdobram até hoje.

Existia um paralelo da ideia de bissexualidade com uma coisa anterior e primordial. Também era comum essas aproximações de estereótipos de pessoas bissexuais ou negras como promíscuas, atrasadas, imaturas, perigosas, etc. 

A ideia de monossexual aparece em oposição a bissexual para descrever esse estado de desigualdade, de diferença na sociedade moderna. Ela aparece em discursos científicos, ainda no evolucionismo do século 19, para descrever muitas coisas, não só sobre sexualidade, mas também sobre genitália, raça etc.

Ao longo do século 19, a bissexualidade foi se desenvolvendo como uma identidade que diz respeito à atração sexual, à prática do sexo, e a monossexualidade vai perdendo um pouco a força. As pessoas deixam de falar em monossexualidade na literatura. 

Em algum momento da década de 1970, isso é recuperado pela sexologia, mas também é quando começa a se desenvolver o movimento bissexual, em especial nos Estados Unidos. Daí, a ideia de monossexualidade passa a ser importante para entender qual é o lugar do bissexual na sociedade. 

Então, a ideia de monossexual é um jeito estratégico que as pessoas bissexuais têm de entender esse conjunto de relações muito complexo. Existem grupos diferentes, mas que se aproximam ou se identificam, mesmo que seja por uma relação de exclusão.

A ideia é basicamente que existem identidades e sexualidades que têm sentido na nossa cultura, que vão estruturar as políticas, que vão estruturar as relações das pessoas, e, ao mesmo tempo, existem identidades que não vão conseguir acessar isso. 

Um historiador australiano descreve que é como se a bissexualidade fosse o outro da própria identidade sexual do ocidente. Ela é aquilo que não é uma identidade, que não tem sentido em oposição àquilo que, de alguma forma, faz a homossexualidade e a heterossexualidade, a monogamia.

Eu acho muito interessante como a gente se sente provocado no movimento bissexual e nos estudos sobre bissexualidade a falar sobre a monossexualidade, mas a gente fala muito pouco sobre a heterossexualidade. De alguma forma, esse debate contribui para uma coisa mais ampla, inclusive para gays e para lésbicas entenderem o que é essa heterossexualidade da qual a gente se distingue e se separa. A gente fala muito pouco sobre a heterossexualidade, ainda que exista alguma elaboração teórica ou um ou outro estudo.

Você fundou o Museu Bissexual Brasileiro (MBB). Como esse espaço funciona?

O Museu Bissexual Brasileiro é um projeto de comunicação científica. Eu tenho feito pesquisas históricas sobre a bissexualidade já faz algum tempo. Também estudo sobre outras identidades, como a pansexualidade. 

É também o resultado de uma provocação com a qual as pessoas que falam sobre bissexualidade tem se deparado muito, que é a ideia de que a bissexualidade não tem uma história. 

Mais do que apenas procurar as pessoas bissexuais na história, eu estou interessado em trazer provocações também sobre como podemos escrever essa história e quais são os limites dela.

Foi lançada recentemente uma página no Instagram e, até o final do ano, deve ser disponibilizado um blog com um acervo em que eu reúno fontes, documentos, jornais, etc que estão dispersos hoje na internet. 

Não é a primeira iniciativa de arquivamento ou de memória bissexual quetemos no Brasil, mas as iniciativas estão  muito dispersas ainda. Então, é um jeito também de reunir as coisas num só lugar e pensar em como podemos continuar produzindo a história.

Até o fim do ano também deve sair uma revista na qual  vão ser publicados textos em diferentes formatos, não apenas acadêmicos, mas também literários, imagens, quadrinhos, etc. 

E eu convido todo mundo a conhecer não apenas o Museu Bissexual, mas também as redes que temos de ativismo bisexual nacional hoje, como a Frente Bissexual Brasileira, que é uma rede que congrega ativistas e coletivos de várias partes do país, e a Rede Brasileira de Estudos sobre Bissexualidade e Monodissidência (Rebim). Tem muita gente produzindo coisas legais, se propondo a estar em lugares diferentes e a fazer coisas diferentes.

Conversa Bem Viver

Em diferentes horários, de segunda a sexta-feira, o programa é transmitido na Rádio Super de Sorocaba (SP); Rádio Palermo (SP); Rádio Cantareira (SP); Rádio Interativa, de Senador Alexandre Costa (MA); Rádio Comunitária Malhada do Jatobá, de São João do Piauí (PI); Rádio Terra Livre (MST), de Abelardo Luz (SC); Rádio Timbira, de São Luís (MA); Rádio Terra Livre de Hulha Negra (RN), Rádio Camponesa, em Itapeva (SP), Rádio Onda FM, de Novo Cruzeiro (MG), Rádio Pife, de Brasília (DF), Rádio Cidade, de João Pessoa (PB), Rádio Palermo (SP), Rádio Torres Cidade (RS); Rádio Cantareira (SP); Rádio Keraz; Web Rádio Studio F; Rádio Seguros MA; Rádio Iguaçu FM; Rádio Unidade Digital ; Rádio Cidade Classic HIts; Playlisten; Rádio Cidade; Web Rádio Apocalipse; Rádio; Alternativa Sul FM; Alberto dos Anjos; Rádio Voz da Cidade; Rádio Nativa FM; Rádio News 77; Web Rádio Líder Baixio; Rádio Super Nova; Rádio Ribeirinha Libertadora; Uruguaiana FM; Serra Azul FM; Folha 390; Rádio Chapada FM; Rbn; Web Rádio Mombassom; Fogão 24 Horas; Web Rádio Brisa; Rádio Palermo; Rádio Web Estação Mirim; Rádio Líder; Nova Geração; Ana Terra FM; Rádio Metropolitana de Piracicaba; Rádio Alternativa FM; Rádio Web Torres Cidade; Objetiva Cast; DMnews Web Rádio; Criativa Web Rádio; Rádio Notícias; Topmix Digital MS; Rádio Oriental Sul; Mogiana Web; Rádio Atalaia FM Rio; Rádio Vila Mix; Web Rádio Palmeira; Web Rádio Travessia; Rádio Millennium; Rádio EsportesNet; Rádio Altura FM; Web Rádio Cidade; Rádio Viva a Vida; Rádio Regional Vale FM; Rádio Gerasom; Coruja Web; Vale do Tempo; Servo do Rei; Rádio Best Sound; Rádio Lagoa Azul; Rádio Show Livre; Web Rádio Sintonizando os Corações; Rádio Campos Belos; Rádio Mundial; Clic Rádio Porto Alegre; Web Rádio Rosana; Rádio Cidade Light; União FM; Rádio Araras FM; Rádios Educadora e Transamérica; Rádio Jerônimo; Web Rádio Imaculado Coração; Rede Líder Web; Rádio Club; Rede dos Trabalhadores; Angelu’Song; Web Rádio Nacional; Rádio SINTSEPANSA; Luz News; Montanha Rádio; Rede Vida Brasil; Rádio Broto FM; Rádio Campestre; Rádio Profética Gospel; Chip i7 FM; Rádio Breganejo; Rádio Web Live; Ldnews; Rádio Clube Campos Novos; Rádio Terra Viva; Rádio interativa; Cristofm.net; Rádio Master Net; Rádio Barreto Web; Radio RockChat; Rádio Happiness; Mex FM; Voadeira Rádio Web; Lully FM; Web Rádionin; Rádio Interação; Web Rádio Engeforest; Web Rádio Pentecoste; Web Rádio Liverock; Web Rádio Fatos; Rádio Augusto Barbosa Online; Super FM; Rádio Interação Arcoverde; Rádio; Independência Recife; Rádio Cidadania FM; Web Rádio 102; Web Rádio Fonte da Vida; Rádio Web Studio P; São José Web Rádio – Prados (MG); Webrádio Cultura de Santa Maria; Web Rádio Universo Livre; Rádio Villa; Rádio Farol FM; Viva FM; Rádio Interativa de Jequitinhonha; Estilo – WebRádio; Rede Nova Sat FM; Rádio Comunitária Impacto 87,9FM; Web Rádio DNA Brasil; Nova onda FM; Cabn; Leal FM; Rádio Itapetininga; Rádio Vidas; Primeflashits; Rádio Deus Vivo; Rádio Cuieiras FM; Rádio Comunitária Tupancy; Sete News; Moreno Rádio Web; Rádio Web Esperança; Vila Boa FM; Novataweb; Rural FM Web; Bela Vista Web; Rádio Senzala; Rádio Pagu; Rádio Santidade; M’ysa; Criativa FM de Capitólio; Rádio Nordeste da Bahia; Rádio Central; Rádio VHV; Cultura1 Web Rádio; Rádio da Rua; Web Music; Piedade FM; Rádio 94 FM Itararé; Rádio Luna Rio; Mar Azul FM; Rádio Web Piauí; Savic; Web Rádio Link; EG Link; Web Rádio Brasil Sertaneja; Web Rádio Sindviarios/CUT.

O programa de rádio Bem Viver vai ao ar de segunda a sexta-feira, às 7h, na Rádio Brasil de Fato. A sintonia é 98,9 FM na Grande São Paulo. A versão em vídeo é semanal e vai ao ar aos sábados a partir das 13h30 no YouTube do Brasil de Fato e TVs retransmissoras.

Assim como os demais conteúdos, o Brasil de Fato disponibiliza o programa Bem Viver de forma gratuita para rádios comunitárias, rádios-poste e outras emissoras que manifestarem interesse em veicular o conteúdo. Para ser incluído na nossa lista de distribuição, entre em contato por meio do formulário.

[jit-ads-region slot="artigos-halfpage-sidebar"]