Indígenas Guarani e Kaiowá foram alvo da violência policial em Caarapó, no Mato Grosso do Sul. No final da manhã desta segunda-feira (22), militares da Tropa de Choque da Polícia Militar investiram contra os indígenas com empurrões e tiros de bala de borracha, em uma ação ilegal de despejo, sem a presença da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai).
Em um vídeo publicado pelo Cimi (Conselho Indigenista Missionário), é possível ouvir pessoas dizendo “a Funai [Fundação Nacional dos Povos Indígenas] já está vindo”, enquanto os policiais, segurando escudos, avançam em direção aos indígenas. Um homem leva vários empurrões e, em seguida, um policial faz um disparo.
A violência aconteceu em mais uma retomada, processo pelo qual os povos originários recuperam territórios que foram tomados por não indígenas. Neste caso, a fazenda Ipuitã está sobreposta a uma parte da Terra Indígena Guyraroká.
Segundo informações do Cimi, a área foi declarada pela Funai como de ocupação tradicional e os Guarani e Kaiowá aguardam a conclusão do processo de homologação, o que irá lhes garantir segurança jurídica para permanecer no território. Enquanto isso, o grupo é alvo de violências constantes.
“Respeita a barreira, meu Deus!”, grita uma mulher, diante do avanço da Tropa de Choque. Pelo menos dois indígenas foram atingidos pelos disparos de balas de borracha. O representante da Funai, Cris Tupan, chegou no local quando os indígenas já haviam sido despejados pelos policiais. A retirada dos indígenas foi realizada sem mandado judicial.
Segundo informações divulgadas pelo Cimi, os policiais se aproveitaram da ausência da Funai para realizar o despejo. Os indígenas retornaram para a aldeia e irão aguardar o andamento das negociações. Enquanto isso, eles vivem confinados em pequenas áreas cercadas por plantações de soja e milho.
Comunidade sofre com pulverização de agrotóxicos
A área da fazenda Ipuitã foi ocupada pelos Guarani e Kaiowá no domingo (21), em protesto contra a pulverização de agrotóxicos, que contamina as plantações dos indígenas.
Por causa do veneno, os Guarani e Kaiowá perderam quatro toneladas de sementes. Com o uso indiscriminado de agrotóxicos pelos fazendeiros, microorganismos e insetos buscam alimentos e devoram as plantações dos indígenas, causando insegurança alimentar. As plantas que escapam dos insetos acabam “queimadas” pelos agrotóxicos despejados na plantação de soja — mas que é, também, pulverizado sobre o território da comunidade.
Em julho deste ano, o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e a Força Nacional, com apoio das Polícias Judiciária e Técnico-Científica, apreenderam 202 kg de agrotóxicos contrabandeados do Paraguai. Segundo o Ibama, os produtos estavam escondidos em depósitos clandestinos no interior de uma fazenda na Terra Indígena Guyraroka, em Caarapó.
“Segundo as instituições envolvidas, a ação tem como objetivo proteger os direitos dos povos indígenas e garantir a segurança das terras já declaradas como indígenas, mas que permanecem ocupadas por propriedades rurais. A Terra Indígena Guyraroka vem sofrendo reiteradas ameaças, principalmente pelo uso irregular e pulverização aérea de agrotóxicos”, informou o Ibama, em nota publicada no site oficial.

No último 22 de agosto, o relator para os Povos Indígenas da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), Arif Bulkan, visitou o território para ouvir a comunidade. Na ocasião, o ancião Tito Vilhalva Guarani e Kaiowá, de 108 anos, deu seu relato de esperança. “Não sei se ainda estarei vivo para ter a terra demarcada. É o que eu desejo, mas que pelo menos meus filhos, netos e bisnetos vejam”, disse.
A questão Guyraroká é alvo de uma petição em trâmite na CIDH. Bulkan declarou aos Guarani e Kaiowá que o caso da TI precisa de encaminhamento por parte da Comissão, podendo o organismo internacional estabelecer prazos ao Estado brasileiro para resolução e até mesmo encaminhar o processo para a Corte Interamericana de Direitos Humanos.
O Brasil de Fato procurou a Secretaria de Estado e Segurança Pública (Sejusp) para questionar sobre a ação truculenta na terra indígena, mas, até o momento, não houve retorno. O espaço segue aberto.