A Caatinga, único bioma exclusivamente brasileiro, tem sofrido com uma nova ameaça de desmatamento na Bahia: as usinas solares. Segundo levantamento concluído na última semana pela iniciativa MapBiomas, em 2024 os painéis fotovoltaicos ocupavam 5.564,14 hectares do Semiárido baiano. Em 2014, eram apenas 481,6 hectares. Para ambientalistas, a expansão desse modelo energético, embora positiva do ponto de vista climático, pode replicar modelos de desenvolvimento que geram exclusão e degradação nos territórios.
De acordo com o estudo, a Bahia é o segundo estado do país que mais perdeu Caatinga para usinas solares. Entre 2016 e 2024, houve um aumento de 25,48% no total de vegetação desmatada, deixando o território atrás apenas de Minas Gerais (59,84%). Piauí (17,35%) e Rio Grande do Norte (16,27%), assumem, respectivamente, a terceira e quarta posição na lista.

Em todo o Nordeste, o município de Juazeiro, no norte da Bahia, é o que registrou a maior área de remoção da Caatinga para dar lugar a painéis fotovoltaicos. Nos nove anos do estudo, foram 2.303 hectares de vegetação removida para a construção de empreendimentos solares.
O levantamento do Mapbiomas é complementar ao estudo lançado em agosto pela própria iniciativa. Os números apontam que a Caatinga é o bioma mais afetado pela expansão das usinas fotovoltaicas. Em 2024, dos 35,3 mil hectares ocupados por instalações de médio a grande porte destinadas à geração de energia elétrica no país, quase dois terços (62%) estão na Caatinga. Cerca de um terço (32%) fica no Cerrado e 6% está na Mata Atlântica.
“Juntos, Minas Gerais, Bahia, Piauí e Rio Grande do Norte possuem 74% da área mapeada com usinas fotovoltaicas em 2024: 25,9 mil hectares”, diz o relatório.
Impactos nas comunidades
Além do desmatamento, outro ponto sensível em relação à expansão dos empreendimentos de energia solar é o seu impacto nos territórios e comunidades rurais. Para Rafael Freire, membro do Grupo Ambientalista da Bahia (Gambá) e da Liga Colaborativa, o crescimento desse modelo energético pode reproduzir lógicas excludentes, sobretudo para povos e comunidades tradicionais.
“A principal sensibilidade reside na percepção, por parte das comunidades e da sociedade civil, de que a expansão da energia solar, embora positiva do ponto de vista climático, pode replicar modelos de desenvolvimento que historicamente geraram exclusão e degradação em certos territórios”.
Freire, que é pesquisador em Tecnologias para Inteligência Territorial e Participação Social, também destaca que a instalação desses empreendimentos tem gerado diversos conflitos nas comunidades e prejuízos para os moradores, inclusive nos contratos de arrendamento das terras para instalação dos painéis solares.
“Questões como a ausência de processos de consulta prévia, livre e informada, a geração de passivos sociais, os conflitos fundiários decorrentes de contratos de arrendamento e os impactos sobre os modos de vida tradicionais são temas que necessitam de diretrizes claras para garantir o desenvolvimento local e a justiça social”, analisa.
Salvaguardas Socioambientais
Diante desse cenário, o Nordeste Potência, coletivo formado por mais de 30 organizações da sociedade civil, movimentos sociais, pesquisadores e comunidades diretamente impactadas pela transição energética na região, lançam na próxima sexta-feira (26) o documento “Salvaguardas Socioambientais para Usinas Fotovoltaicas Solares”. A iniciativa nasce do reconhecimento do papel estratégico da energia solar para a transição energética justa e sustentável no Brasil, mas aponta a necessidade de se incluir as vozes dos territórios no planejamento da expansão da fonte solar.
“O objetivo central não é criar barreiras para o desenvolvimento do setor, mas sim contribuir de forma construtiva para o seu aprimoramento e assim acabar com a violação de direitos nos territórios”, destaca Freire, um dos pesquisadores que contribuiu com a elaboração do material.
O documento identifica certas práticas no modelo de geração centralizada que têm gerado impactos socioambientais negativos a partir de lacunas regulatórias, “e propõe caminhos para que a expansão da energia solar no país seja cada vez mais responsável, inclusiva e sustentável, fortalecendo a imagem do setor, inclusive da geração distribuída”, completa o membro do Gambá.
As Salvaguardas são fruto de uma análise que incluiu revisão de literatura, visitas de campo em diferentes contextos — áreas degradadas, áreas com supressão de vegetação, projetos híbridos — e, principalmente, a escuta qualificada das comunidades que convivem com os empreendimentos.
Após o diagnóstico de pontos de atenção em relação aos impactos socioambientais da expansão da energia solar, o estudo também aponta propostas de saídas conjuntas em diálogo com o setor, como construção de diretrizes e guias de boas práticas, elaboração de materiais de capacitação e aperfeiçoamento de políticas públicas.
“Acreditamos que, ao abraçar essas discussões de forma proativa, a sociedade poderá fortalecer ainda mais sua posição de liderança, incentivando inclusive a geração distribuída, transformando desafios em oportunidades e garantindo que o crescimento da energia solar no Brasil seja sinônimo de desenvolvimento para todos, não apenas para a economia de lucros para poucos”, finaliza Rafael Freire.
O lançamento do documento das Salvaguardas Socioambientais será realizado em evento virtual nesta sexta-feira (26) às 10h. As inscrições são gratuitas e podem ser feitas por meio do link.