O Sindicato das Professoras(es) e Funcionárias(os) de Escola do Rio Grande do Sul (Cpers) reuniu, na manhã desta terça-feira (23), professores, funcionários, especialistas da ativa e aposentados, além de estudantes e comunidade escolar, em uma aula pública sobre os rumos da educação no estado.
O encontro ocorreu no auditório do sindicato, em Porto Alegre, e teve como principal pauta a crítica ao modelo da chamada “escola meritocrata”, defendido pelo governador Eduardo Leite (PSD), pela secretária da Educação, Raquel Teixeira, pelo vice-governador Gabriel Souza (MDB) e pela base aliada do governo na Assembleia Legislativa.
Segundo o Cpers, a proposta ameaça o direito a uma educação pública de qualidade e precariza o trabalho docente. Para o sindicato, a lógica meritocrática desconsidera as desigualdades estruturais, amplia a pressão sobre os trabalhadores e ignora que a qualidade da educação depende de investimentos, valorização da carreira e condições dignas de trabalho.
Críticas ao modelo meritocrático
O professor Mateus Saraiva, doutor em Educação pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs) e docente da Faculdade de Educação (Faced/Ufrgs), destacou a necessidade de investimentos estruturais.
“Nós precisamos de melhor infraestrutura, suficiência de diversidade pessoal, salários e planos de carreira dignos aos profissionais de educação. Tudo isso é qualidade de educação. Gostei muito do cartaz ali que diz: ‘Eduardo Leite quer trocar a qualidade do ensino por metas e propaganda’. O problema não é a meta em si, mas o reducionismo. Queremos metas como biblioteca em toda escola, gestão democrática, grêmio estudantil. Isso é qualidade. Pouquíssimas metas não podem resumir toda a educação.”

Na mesma linha, a professora Natália Gil, doutora em Educação pela Universidade de São Paulo (USP) e coordenadora do grupo de pesquisa História da Escolarização no Brasil: Políticas e Discursos Especializados (Histeb/Ufrgs), lembrou que essa concepção está inserida em um projeto global de reformas neoliberais.
“Essa ideia não é só de Porto Alegre ou do Brasil. É um projeto muito mais amplo, presente em vários países, defendido por organismos como a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Os prejuízos dessa lógica têm atingido também países ricos. É um discurso difícil de desconstruir porque parece bom, mas é profundamente desestruturador da sociedade.”

O estudante Wellington Porto, do curso de Letras da Faced/Ufrgs, reforçou que a política do governo estadual desmonta a educação pública: “A precarização da educação é um projeto político do governo, desse governo neoliberal, do Eduardo Leite, do Gabriel e da Raquel. Educação não é gasto, é investimento. A elite investe na educação dos seus filhos, e o Estado deveria fazer o mesmo com a educação pública.”
A secretária-geral do Cpers, Suzanna Lauermann, alertou para o caráter político da proposta. “A angústia que bate todos os meses é grande, os aposentados sabem disso. O governo quer baixo gasto econômico e ganho político. Ele vende para a sociedade que está investindo em educação, mas isso é ilusório. Não resolve a qualidade da educação.”

O vice-presidente do Cpers, Alex Saratt, evocou Paulo Freire para reforçar que a luta em defesa da escola pública é também política. “Freire trazia duas questões centrais: a educação como ato de amor e como ato político. É dessa convergência que tiramos a energia para nossas lutas.”
Carta e encerramento
Durante o ato, a presidente do Cpers, Rosane Zan, realizou a leitura coletiva de uma carta produzida na aula pública, que criticou a lógica meritocrática e defendeu um modelo baseado na solidariedade, universalidade, investimento público e participação social.

“A educação pública que queremos pressupõe a formação integral das crianças, jovens e adultos, fundamentada na ciência, na diversidade e na justiça social”, destacou. O encontro foi encerrado com a palavra de ordem “Não à meritocracia”, reafirmando a importância da mobilização em defesa de uma educação pública justa e democrática.
Entenda
O Governo do Estado do Rio Grande do Sul lançou recentemente o Programa de Reconhecimento da Educação Gaúcha, que prevê bonificações para profissionais e prêmios financeiros para estudantes da rede estadual. A iniciativa, apresentada pelo governador Eduardo Leite (PSDB) e pela secretária da Educação, Raquel Teixeira, integra a Agenda da Educação 2025-2035.

Enquanto o governo afirma que o objetivo é valorizar o esforço e estimular a evolução contínua dos indicadores de aprendizagem e frequência, o Centro dos Professores do Estado do Rio Grande do Sul (Cpers Sindicato) divulgou nota oficial criticando a proposta. A entidade classificou o chamado “14º salário” como um “suposto bônus” condicionado a metas, acusando o modelo de impor lógica meritocrática, discriminatória e excludente.