Um dos maiores patrimônios da literatura mundial, o chileno Pablo Neruda morreu há 52 anos, no dia 23 de setembro de 1973, provavelmente envenenado pela ditadura instaurada poucos dias antes por Augusto Pinochet com a derrubada de Salvador Allende.
Em vida, Neruda publicou mais de 40 obras, entre elas Vinte Poemas de Amor e uma Canção Desesperada, que o consagrou ainda durante a juventude; Confesso que Vivi, sua autobiografia; e Cem Sonetos de Amor, que reúne poemas do autor.
Atento à vida política do seu país, o chileno, além de um expoente das artes, também podia ser considerado como um dos conselheiros de Allende, não apenas em relação aos temas que diziam respeito à cultura, mas sobre tudo aquilo que se relacionava com a realidade social do Chile. É o que explica o escritor, jornalista e tradutor Eric Nepomuceno, que também conheceu Neruda pessoalmente.
“Às vezes ouço, sobretudo jovens, me perguntando por que a ditadura chilena teria assassinado Pablo Neruda. As ditaduras, e a gente também viveu isso aqui no Brasil, silenciam as artes. A arte é livre e a ditadura odeia qualquer coisa que seja livre. Eu também não tenho nenhuma dúvida de que Neruda era um grande conselheiro do Allende”, afirma, em entrevista ao Conversa Bem Viver.
Nepomuceno já ganhou três Prêmios Jabuti e é autor do livro O massacre: Eldorado do Carajás : uma história de impunidade. O escritor estava em viagem pela América Latina no momento em que ascenderam as ditaduras militares no continente. Além de Neruda, conviveu com Gabriel García Márquez e Eduardo Galeano, entre outras figuras marcantes.
Ao olhar para o passado, traçando um paralelo com o atual momento político em que vive o Brasil, o jornalista destaca a importância da condenação de Jair Bolsonaro (PL) e de militares de alta patente por tentativa de golpe de Estado.
“Na América Hispânica, todos os ditadores, sem exceção, foram julgados, condenados e presos. Aqui no Brasil, nada. A Argentina foi quem mais puniu militares. Agora, vamos ver o que vai acontecer com eles [Bolsonaro e os demais condenados]. Se acontecer aqui o que aconteceu na Argentina, vai ser com décadas de atraso, mas antes tarde do que nunca”, analisa Nepomuceno.
Confira a entrevista completa:
Brasil de Fato – Quem foi Pablo Neruda?
Eric Nepomuceno – Uma coisa engraçada é que, se eu falar de Neftalí Ricardo Reyes Basoalto, talvez cinco ou seis pessoas no Brasil saibam de quem eu estou falando. Esse era o nome verdadeiro de Pablo Neruda. Desde que publicou, aos 20 anos de idade, já com o nome de Neruda, um livro chamado Vinte Poemas de Amor e uma Canção Desesperada, de imediato, ele foi consagrado.
Não sem razão, muitos anos depois, o Gabriel García Márquez, que todo mundo sabe quem é, dizia que o Neruda não foi um grande poeta latino-americano, mas foi o maior poeta do século 20 em qualquer idioma.
Estive com Neruda uma única vez na minha vida, em julho ou agosto de 1972. Eu estava viajando com minha mulher pela América do Sul, porque tinha decidido ir embora do Brasil e estava escolhendo um lugar para ir.
Estivemos no Peru, que tinha um governo militar, o do general Velasco Alvarado. De lá, fomos para o Chile, onde tinha o governo do Salvador Allende. Mas também não quis ficar ali porque senti que aquele governo estava muito instável. No Chile, encontrei o Thiago de Mello exilado.
Esse grande poeta brasileiro, Thiago, era amigo íntimo do Neruda. Lembro que tomamos um vinho em uma noite. Neruda foi diplomata e senador pelo Partido Comunista. Quando o Partido Comunista foi suspenso, houve uma ordem de prisão contra Neruda e ele ficou escondido por um bom tempo, até fugir para a Argentina.
Neruda era um poeta incrível, de uma beleza soberana, de amor à vida, de amor ao Chile e, claro, de amor pelas mulheres. Em 1971, ele ganhou um prêmio Nobel. Em 1973, depois do golpe, foi internado com um câncer que muitos amigos desconfiaram, na hora, de que não era câncer nenhum.
O caso do Neruda foi investigado por anos e anos. Em 2015, dez anos atrás, o governo chileno admitiu a possibilidade de ele ter sido envenenado. Em 2023, finalmente, se chegou à conclusão de que efetivamente o Pablo Neruda, esse poeta maravilhoso, não morreu de câncer na próstata, mas foi envenenado. Havia sido mais um morto pela ditadura do Pinochet.
Eu recomendaria com toda a minha alma que, quem nunca leu Pablo Neruda, leia. Quem nunca leu Neruda não sabe o que é uma imensa, gigantesca e oceânica poesia. E quem leu, que releia.
Tenho um livrinho dele, que comprei naquela viagem a Santiago, e sempre o releio. Um poema aqui, outro ali, uma estrofe aqui, outra ali. E isso me ajuda a me sentir vivo. A saber que continuo vivo. Continuo merecendo a memória que tenho dos anos que vivi nesta nossa América Latina.
Por que a ditadura chilena teve interesse em assassinar Pablo Neruda?
Às vezes ouço, sobretudo jovens, me perguntando por que a ditadura chilena teria assassinado Pablo Neruda. As ditaduras, e a gente também viveu isso aqui no Brasil, silenciam as artes.
Não vamos esquecer que, no tempo da ditadura brasileira, mataram um grande jornalista de quem eu era amigo, Vladimir Herzog, mataram um bando de gente, mas também tentaram calar de todas as maneiras Caetano Veloso, Chico Buarque, Gilberto Gil etc. Por que? Porque a arte faz pensar.
A arte nos leva a olhar a vida de uma maneira diferente. A arte é livre e a ditadura odeia qualquer coisa que seja livre. A ditadura só quer liberdade para ela agir destruindo tudo.
Neruda era próximo do governo socialista? Podíamos considerá-lo como uma espécie de conselheiro de Allende?
Pablo Neruda, que era uma figura imensamente popular, era muito próximo do Salvador Allende. O Allende tinha uma trajetória política prolongada no Chile até ser eleito e o Neruda e ele eram muito amigos.
Eu não tenho nenhum documento que prove isso, mas eu também não tenho nenhuma dúvida de que o Neruda era um grande conselheiro do Allende. Não só em relação às artes e à cultura, mas em relação à vida, em relação ao Chile, em relação ao que fazer com a pobreza. Não era em vão que o Neruda mantinha essa amizade com o Allende.
Hoje, aqui no Brasil, me dói na alma saber que tão pouca gente da minha geração para baixo saiba quem foi o Salvador Allende, como foi o golpe no Chile, como é que o Chile foi destruído, massacrado, assassinado. O Neruda era um símbolo de liberdade, um símbolo de vida e, para mim, continua sendo.
O 11 de setembro dos Estados Unidos “apagou” a nossa memória sobre o que foi o 11 de setembro de 1973, quando aconteceu o golpe no Chile que assassinou Allende?
É gozado. Os jovens volta e meia me falam do 11 de setembro dos Estados Unidos. Não tem a mais remota comparação com o que aconteceu no 11 de setembro de 1973 no Chile. O que houve no Chile foi um golpe não sangrento, foi um golpe sanguinário, um golpe que saiu matando gente.
Não vamos esquecer. Eu vou dar um exemplo do que houve depois do golpe militar que derrubou o governo democrático de Allende e impôs a ditadura do general do Exército Augusto Pinochet. Havia um grande compositor popular chileno, Victor Jara. Ele foi preso e levado para o Estádio Nacional do Chile, que é comparável ao nosso Maracanã. Lá, foi brutalmente torturado, teve a mão direita decepada e foi abandonado à própria sorte até morrer. Este era o governo de Pinochet.
Recentemente, pela primeira vez, vimos militares de alta patente sendo condenados no Brasil por tentativa de golpe de Estado. Qual é a importância disso?
Há uma diferença muito grande entre o que aconteceu na América Hispânica e o que aconteceu no Brasil. Na América Hispânica, até em Honduras, todos os ditadores, todos, sem exceção, foram julgados, condenados e presos. Aqui no Brasil, nada.
A Argentina foi quem mais puniu militares. Viraram a ditadura ao avesso e puseram um número incrível de generais culpados em cana. O Brasil foi o único país onde não houve punição. No Chile houve, no Uruguai houve, na Argentina, nem me diga. Em todos.
Agora, vamos ver o que acontece no Brasil com essa tentativa de golpe do capitão da reserva Jair Bolsonaro. Ele está sendo julgado junto com um bando de militares que apoiavam a tentativa. Vamos ver o que que vai acontecer com eles. Se acontecer aqui o que aconteceu na Argentina, vai ser com décadas de atraso, mas antes tarde do que nunca.
No domingo (21), manifestações populares aconteceram em capitais de todo o país, denunciando a PEC da Blindagem e o projeto de anistia aos golpistas. No Rio, Caetano Veloso, Chico Buarque e Gilberto Gil participaram do protesto. Como você avalia essa movimentação?
Eu estou vendo que, de repente, pode haver uma virada drástica no Brasil. Para isso, eu me baseio no que aconteceu no domingo passado, com mobilizações populares em todo o país.
Aqui no Rio – que, me desculpem os outros, é um centro cultural marcante no cenário brasileiro -, nós vimos juntos num palanque Djavan, Caetano Veloso, Gilberto Gil, Chico Buarque. Eles atraíram muitíssima gente, mais de 40 mil pessoas. Empatou com a maior manifestação da extrema direita para o Bolsonaro um tempo atrás.
Acho que isso é um indício de que vamos ter uma mudança no cenário. Não deixa de ser uma forma também de pressionar o Congresso e de mandar um recado claríssimo ao Supremo Tribunal Federal.
Eu acho, eu e muitos outros brasileiros, que o futuro nosso está na mão muito mais do Supremo Tribunal Federal, cuja missão é proteger a Constituição, do que de um Congresso que é um dos piores dos últimos 50 anos.
Além de Pablo Neruda, você foi uma pessoa muito próxima de Gabriel García Márquez e de Eduardo Galeano. É possível fazer um paralelo entre os três?
Eu diria que nós estamos falando não de três pontos expoentes, mas de três pilares fundamentais. Fui muito amigo do Galeano durante uns quatro ou cinco meses, até descobrir que ele era o irmão mais velho que a vida me deu. Não foi nem meu pai, nem minha mãe, foi a vida.
E, até o fim dele, fui grudado no Galeano a tal ponto que, quando ele cometeu a malvada imprudência de ir embora para sempre, volta e meia me pegava no fim de semana ligando para ele. Para ter alguma conversa, contar alguma coisa, perguntar alguma coisa. Foi através do Galeano que eu conheci o Gabriel García Márquez.
Aliás, foi por meio do Galeano que eu conheci todo mundo da América Hispânica, todo mundo. Ele ia me levando. Eu me lembro dele dizendo: “O que você vai fazer hoje às 17 horas? Quero te apresentar o Mário”. Eu ia e era o Mário Benedetti.
Foi sempre assim. Sinto uma falta dilacerante do Galeano e do García Márquez. Depois que ele foi embora, continuei muito amigo da Mercedes [Barcha, viúva de García Márquez]. Lembro que ia para o México almoçar com ela, com as meninas dela. Vivo com esses vazios na minha alma, não tem jeito.
Como García Márquez formulou a primeira frase de 100 Anos de Solidão?
Ele trabalhava como publicitário. Então, ganhava um bom dinheiro. Uma vez, pegou o carro dele, com a Mercedes e os meninos, e saiu da Cidade do México para ir a Acapulco.
No começo da descida da serra, bateu a frase na cabeça dele: “Muitos anos depois, diante do pelotão de fuzilamento, o Coronel Aureliano Buendía havia de recordar aquela tarde remota em que seu pai o levou para conhecer o gelo.”
Ele não teve a mais remota dúvida, fez a primeira volta, voltou para casa, repetindo aquilo. Como ele era publicitário, ele tinha uma boa reserva de dinheiro. Ficou escrevendo o livro. A reserva acabou.
A Mercedes empenhou até o secador de cabelo e, na hora de levar a edição original aos Correios para mandar para a editora Sul-Americana de Buenos Aires, que na época era a mais importante do continente, ela disse para ele: “Agora só falta que o livro não seja bom”. Era bom.
Conversa Bem Viver

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