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Engenheiro Agronômo, MsC em Economia Rural, Dr. em Engenharia de Produção. Extensionista rural aposentado, fotógrafo. Colaborador da Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e pela Vida, membro co...ver mais

Lula não merece uma negociação vexatória com Trump na ratoeira da sala oval

Os recados estão dados, sabemos quem somos e o que precisamos fazer.

Semana de sucesso multidimensional, e retumbante.

No povo nas ruas, e na fala do brasileiro Lula, na Organização das Nações Unidas (ONU), verdadeiras lições de amor, coragem e ética, do Brasil para o mundo. Motivos de festa (e também de cautela) nas falas do Trump, que abandonou Bolsonaro e explicitou sua visão de mundo, ampliando as evidências de similaridade entre as pessoas que, como eles, mentem, ameaçam e envergonham a humanidade.

Finalmente, motivos para aquecer o coração no desespero dos golpistas, diante de tudo aquilo que, inclusive por motivos estéticos e de energia transcendente, foi antecipado e emoldurado pelas marchas do domingo passado: estão canceladas as pretensões de anistia, a PEC da criminalidade blindada e inclusive os mimos que aqueles golpistas da Câmara queriam estender ao Eduardo Bolsonaro, para que ele mantivesse suas práticas de traição remunerada, como deputado ausente líder da minoria.

Os recados estão dados, sabemos quem somos e o que precisamos fazer.

Aproveito o espaço para relembrar tão somente alguns dos pontos tratados no discurso de Lula, na última terça-feira (23), durante a 80ª Assembleia Geral das Nações Unidas. Destaco a certeza de que todas e todos precisamos não apenas rever com atenção aqueles conteúdos, mas sim – e principalmente – fazer o possível para que se cristalizem e sejam interiorizados na alma deste país.

Aquelas frases são setas que apontam caminhos para a retomada da civilidade e para a contenção do câncer fascista, podridão que ameaça comprometer a vida como um todo. São ideias claras, que se colocam como barreira às intenções daqueles que, dentro e fora deste país, pretendem anular o amor, sufocar o espírito e destruir nossos sonhos de emancipação humana.

Como não se encher de orgulho ao ver aquele pernambucano afirmar ao mundo que o Brasil estava ali, na ONU, para oferecer nosso recado a todos os candidatos a autocratas e àqueles que os apoiam: no Brasil não nos intimidaremos. Mesmo sob o ataque sem precedentes de falsos patriotas, apoiados por grandes forças externas, resistiremos. E resistiremos porque nossa democracia e nossa soberania são inegociáveis.

Em menos de 15 minutos Lula foi seis vezes aplaudido em pé por representantes de todas as nações que ali estavam (com exceção de Marco Rubio e da delegação de Israel, que se retirou da sala). Talvez esperassem o que de fato ocorreu.

Lula reclamou da ausência do presidente Mahmoud Abbas (da Palestina) antes de afirmar que “nada, absolutamente nada justifica o genocídio em curso em Gaza”, aquele massacre continuado que “não aconteceria sem a cumplicidade dos que poderiam evitá-lo”. Ali, disse ele, “junto aos corpos de dezenas de milhares de mulheres e crianças inocentes”, também estão sendo “sepultados o Direito Internacional Humanitário e o mito da superioridade ética do Ocidente”.

Lula também reclamou por maior diálogo (de parte dos EUA e seus tutelados) para com a Venezuela e alegou serem inadmissíveis aqueles discursos que ligam Cuba ao patrocínio de ações terroristas.

Apontou que a fome,  a pobreza, o desrespeito a questões de gênero e a perseguição aos imigrantes, seriam consequências de proteção à concentração abusiva de riquezas e do uso da força (e de modernas tecnologias), levando ao encobrimento de  roubos, fraudes, e outros crimes que tendem a se naturalizar na medida em que os povos se omitem diante daqueles que cultuam a violência, exaltam a ignorância, a misoginia, a xenofobia e o negacionismo, para  subjugar as instituições e sufocar as  democracias.

Comentando a loucura da corrida armamentista e a estupidez das guerras, Lula disse que as bombas e as armas nucleares não vão nos proteger da crise climática, e que apenas na luta contra a fome e a pobreza, todos poderemos vencer. Destacou que, para isso, a ONU precisa ser remodelada e fortalecida, escutando a voz do sul global, fortalecendo o multilateralismo e levando a comunidade internacional a definir padrões mínimos de tributação global, obrigando os super-ricos a pagarem mais impostos do que os trabalhadores.

Convocando os representantes de todas as nações a se voltarem para a COP30, Lula destacou que ali estará ocorrendo uma oportunidade essencial para que os líderes mundiais comprovem sua seriedade e seus compromissos com o planeta.

Lembrou de Pepe Mujica e do Papa Francisco, dizendo que aqueles grandes homens, se estivessem naquela reunião, afirmariam que “os únicos derrotados são os que cruzam os braços“; que “aqueles que exploram o medo e monetizam o ódio podem ser vencidos“; que “o amanhã é feito de escolhas diárias, e que com coragem de agir para transformá-lo, venceremos“.

 O texto poderia terminar aqui. Mas ocorre que, logo após Luiz Inácio Lula da Silva mostrar ao mundo as razões por que os aspirantes a fascistas o perseguem e nós o seguimos, Trump fez o que sempre faz.

No seu discurso, em uma  fala repleta de conceitos negacionistas, autoelogios, mentiras e ameaças, que se estenderam por cerca de uma hora, Trump disse que em 7 meses de governo, acabou com sete guerras, sem a ajuda da ONU. Que a ONU é desnecessária, atrapalha e ainda cria problemas com seus auxílios aos imigrantes. 

Disse os EUA possuem as maiores e mais poderosas armas, e que se decidirem usá-las, não haverá ONU, não haverá nada.

Trump repetiu que, na opinião dele, o aquecimento global é uma farsa. Que os EUA vão usar o carvão limpo e lindo de que dispõem, e que é o vento traz para a América do Norte o ar contaminado da China. Disse que os maiores problemas das nações estão sendo causados pelos imigrantes, pelos terroristas e pelos traficantes. Prometeu esmagar cartéis de drogas, as gangues e até governos que julgar inimigos. E afirmou: “deixo um aviso: vamos eliminar vocês da face da terra”.

E, em meio a isso, disse que gostou do Lula.

Que sentiu um clima positivo durante o contato de meio minuto que tiveram, de olhos nos olhos, e que eles vão conversar na próxima semana.

Confesso que levei medo. Até porque alguns dos nossos golpistas se apressaram em comentar a genialidade do Trump, ao anunciar aquele futuro encontro com o Lula. Afinal, de fato sabemos que a conversa é importante, e queremos que ela ocorra. Mas não queremos que Lula caia em uma armadilha, naquela sala oval. Lula não merece passar pelo que aconteceu com os presidentes da África do Sul, Cyril Ramaphosa, e da Ucrânia,  Volodymir Zelensky. Também não queremos uma negociação vexatória, arrancada à custa de chantagem como aquela que ocorreu com  Ursula von der Leyen da União Europeia.

Então, apesar dos comentários otimistas de Lula, espero que aquela conversa se dê por telefone, longe da ratoeira da sala oval, com definição antecipada dos temas. Os interesses essenciais, envolvendo por exemplo a questão climática, as tarifas comerciais, o controle das big techs e as terras raras, não poderão ser contaminadas pelas ameaças de apoio a golpistas e novas sanções a ministros brasileiros e seus familiares, ou coisas piores.

Afora isso, é festejar, nalguma próxima semana, com todos nas ruas em defesa da democracia.

E sobre o amor de Bolsonaro a Trump e agora também em relação a esta repentina paixão de Trump, por Lula, só me ocorre uma música.  Vá para o inferno com seu amor. Canta Vanessa da Mata.

E o lembrete final. Nosso futuro se definirá nas eleições de 2026. Precisamos aproveitá-las para colocar em todos os espaços de representação social, que dependem do nosso voto, vereadores, deputados, senadores e governadores que nos respeitem, e que mereçam nosso respeito.