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<strong>Marina Oliveira</strong> é graduada, mestre e doutoranda em Relações Internacionais pela PUC-Minas. Atualmente é pesquisadora do Centro de Estudos Latino-americanos (CELA) da Universidade N...ver mais

Operação Rejeito: o setor da mineração opera como organização criminosa? Nós já sabíamos

Operação Rejeito escancarou esquema bilionário de corrupção no setor mineral

No dia 17 de setembro, a Polícia Federal escancarou um esquema bilionário de corrupção no setor mineral, que incluiu fraudes em processos de licenciamento ambiental, mineração em áreas proibidas, desvio de recursos, propina, cooptação de servidores públicos e lavagem de dinheiro.

Ao todo, foram 79 mandados de busca e apreensão, 22 prisões preventivas, um bloqueio de R$ 1,5 bilhões e a suspensão das operações de diversas empresas ligadas ao esquema. Os projetos somam mais de R$ 18 bilhões. Em matéria detalhada, o repórter Daniel Camargos destrinchou os detalhes da operação.

Nós, atingidos pelo rompimento da barragem da Vale em Brumadinho e bacia do Paraopeba, pelo rompimento da barragem da Vale, Samarco e BHP Billton em Mariana e bacia do Rio Doce, atingidos pelo modelo predatório de mineração em Minas Gerais e no Brasil, militantes do Movimento pela Soberania Popular na Mineração (MAM), nós já sabíamos.

Corrupção no processo de reparação em Brumadinho

Em janeiro do próximo ano, completa-se sete anos do rompimento da barragem da Vale em Brumadinho. Poucos avanços e muita corrupção marcam a história do processo de reparação de uma das maiores tragédias socioambientais e trabalhistas da história mundial.

As comunidades foram impedidas de participar das audiências de reparação

Em fevereiro de 2021, há quase 5 anos, o governo Zema se sentou à portas fechadas, juntamente com a Vale, empresa responsável pelo desastre-crime socioambiental, a fim de definir como os recursos provenientes da reparação deveriam ser aplicados ao longo da bacia do Rio Paraopeba.

As comunidades foram impedidas de participar das audiências. Mais do que isso, as negociações ocorreram em sigilo judicial, o que significa que os atingidos só tiveram conhecimento do conteúdo das negociações depois que o acordo de reparação já havia sido firmado.

É fácil entender o porquê do processo de reparação não contemplar demandas básicas das populações atingidas. Como fomos impedidos de participar da negociação, não tivemos a oportunidade de expressar as nossas demandas e necessidades.

Difícil é entender quais foram os critérios e parâmetros para a tomada de decisão por parte do governo Zema e da transnacional Vale. A título de ilustração, por exemplo, o dinheiro que deveria reparar as comunidades atingidas foi direcionado para a ampliação do metrô de Belo Horizonte, que por sua vez, foi privatizado.

Ou seja, o dinheiro que deveria reparar os territórios acabou caindo nos cofres de uma empresa privada. Isso sem contar que o metrô não contempla nenhum dos 26 municípios atingidos pelo desastre.

Não satisfeito, o governo Zema também reservou recursos que deveriam reparar os territórios para construir o rodoanel da Região Metropolitana de Belo Horizonte. Trata-se de um projeto antigo, que o Estado de Minas Gerais nunca conseguiu operacionalizar por falta de recursos. Não podemos esquecer que o rodoanel terá inúmeros impactos socioambientais em diversas comunidades que serão desalojadas. Trata-se de uma grande contradição já que o projeto beneficia principalmente as mineradoras que atuam na região.

Além disso, o fato de a empresa ré ser a responsável pela reparação socioambiental é uma incoerência, dado o histórico de fraude ambiental em que a Vale vem se envolvendo nos últimos anos.

A empresa, juntamente com sua contratada Tuv Sud, fraudou a Declaração de Estabilidade da barragem do Córrego do Feijão. Não obstante, é reincidente em crimes socioambientais em Mariana e Brumadinho, e está envolvida em centenas de casos de conflito socioambiental em Minas Gerais. O acordo previa que até o final de 2024 fossem retirados os rejeitos de 54 km do rio Paraopeba. No entanto, até hoje a limpeza não foi concluída.

Não para por aí. O dinheiro que deveria reparar os territórios e comunidades também foi destinado para financiar o Plano Estadual de Mineração de Minas Gerais. Isso mesmo. Dinheiro da reparação financiando o planejamento do setor responsável pelo crime.

É fácil entender porque o governador Zema foi eleito em primeiro turno nas últimas eleições para governo do Estado. Ele distribuiu os recursos da reparação entre as 853 prefeituras das cidades de Minas Gerais. Essa estratégia exitosa foi parte fundamental para consolidar seu apoio junto às cidades do interior de diferentes regiões do Estado, inaugurando o fenômeno que depois ficou conhecido como Lula-Zema: municípios que elegeram Lula no âmbito nacional e Zema no contexto estadual.

Poderíamos mencionar também o fato do dinheiro da reparação ser utilizado reiteradamente para pagar funcionários públicos efetivos do Estado de Minas Gerais. O fato é que o governo de Minas Gerais, em conluio com a empresa mineradora, incorporou recursos destinados à reparação e os gerenciou como se fossem parte do orçamento do Estado.

Trata-se também de um grande caso de corrupção, de desvio de dinheiro e de improbidade administrativa por parte do Estado e do setor mineral, que se aproveitou da morte de 272 pessoas com finalidade meramente eleitoreira.

A falta de justiça e responsabilização criminal

A Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) do Crime da Vale, instaurada pela Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG), concluiu, em setembro de 2019, que a tragédia de Brumadinho não foi um acidente, mas resultado de um conjunto de decisões corporativas e omissões deliberadas da mineradora Vale S.A. e de empresas de auditoria, que priorizaram a maximização de lucros em detrimento da segurança.

O relatório apontou que havia conhecimento prévio dos riscos iminentes de rompimento da barragem da mina Córrego do Feijão e que a empresa manteve operações normais mesmo diante desses alertas. A CPI também criticou a fragilidade da atuação dos órgãos fiscalizadores e a relação promíscua entre empresas de consultoria e a Vale, que garantiam laudos de estabilidade fraudulentos.

Foram atribuídos diversos crimes aos indiciados, como homicídio doloso qualificado, crimes ambientais (poluição com resultado morte), falsidade ideológica, uso de documentos falsos corrupção privada (em razão da relação com empresas de auditoria) e associação criminosa.

Estratégias jurídicas para atrasar o processo

Os advogados da Vale têm utilizado estratégias de lawfare para atrasar e enfraquecer o andamento dos processos relacionados ao rompimento da barragem.

Entre as principais táticas está a apresentação de sucessivos recursos e incidentes processuais, buscando prolongar prazos e reduzir a efetividade das ações judiciais. Uma manobra utilizada, por exemplo, foi pleitear a transferência da tramitação do caso da Justiça estadual mineira para a Justiça federal, sob argumentos de que haveria competência federal em razão dos impactos da tragédia em bens da União, extrapolando as fronteiras do Estado.

Essas estratégias visam não apenas ganhar tempo, mas também fragmentar a responsabilização, diluindo a pressão política e social exercida pela sociedade mineira e pelas instituições locais diretamente impactadas pela tragédia.

A luta dos familiares das vítimas fatais

Os familiares das vítimas, organizados pela Associação dos Familiares de Vítimas e Atingidos pelo Rompimento da Barragem Mina Córrego do Feijão (AVABRUM), têm desempenhado papel fundamental na busca por justiça. Entre suas conquistas está a digitalização do processo criminal, que já ultrapassa 20 mil páginas e cuja tramitação online possibilita maior transparência, rapidez e comunicação mais efetiva entre os diferentes organismos de justiça.

Oito engenheiros tiveram seu registro profissional cassado pelo CREA-MG

Além disso, oito engenheiros e engenheiras tiveram até o momento seu registro profissional cassado pelo CREA-MG devido à responsabilidade no rompimento da barragem em Brumadinho.   Ainda assim, permanecem demandas centrais não atendidas, como a de que os indiciados sejam julgados por júri popular em Brumadinho, município que mais sofreu com o crime.

A AVABRUM também reivindica celeridade nos julgamentos e responsabilização exemplar para evitar novas tragédias. Acompanhe aqui a linha do tempo das ações penais relacionadas à tragédia em Brumadinho.

Influência do setor mineral na flexibilização de leis ambientais

Em resposta às tragédias de Mariana (2015) e Brumadinho (2019), a Assembleia Legislativa de Minas Gerais aprovou a Lei Mar de Lama Nunca Mais (Lei Estadual nº 23.291/2019), projeto construído com a participação da sociedade civil, mas que estava engavetado já há alguns anos.

A lei proíbe a construção ou alteamento de novas barragens pelo método a montante, e exige que todas as barragens deste tipo fossem descaracterizadas até 25 de fevereiro de 2022. Entretanto, considerando a relação promíscua entre o poder público e representantes do setor de mineração – incluindo a Federação das Indústrias de Minas Gerais (Fiemg) e empresas mineradoras –  houve forte lobby junto a deputados da bancada da mineração no estado a fim de prorrogar o prazo para a descaracterização das estruturas.

Como resultado dessas negociações, acordos foram feitos entre governo, Ministério Público e empresas mineradoras, culminando na ampliação do prazo para a descaracterização até 2035, mais de uma década além do prazo original.

Estudos realizados pelo Instituto Guaicuy demonstram que em Minas Gerais existem 45 barragens em situação de instabilidade. Importante lembrar que ambas as barragens de Mariana e Brumadinho eram oficialmente consideradas estáveis. Esta realidade gera ainda mais preocupação na população mineira.

Sem água, sem saúde e sem reparação

Até hoje existem comunidades ao longo de toda a bacia do Paraopeba que dependem do abastecimento hídrico via caminhão pipa ou garrafinhas de água mineral. Isso sem contar que os estudos da Fiocruz demonstram que as pessoas testadas apresentaram alta exposição a metais pesados no sangue, como cádmio, arsénio, mercúrio, chumbo e manganês.

Passados quase 7 anos do rompimento, o problema do abastecimento hídrico ainda não foi solucionado. Tão pouco existe uma política pública de saúde para conter e/ou reverter o processo de contaminação que segue se agravando ao longo de toda a bacia do Paraopeba.

O preço da corrupção do setor mineral, associado às elites econômicas e políticas do estado de Minas Gerais é este: 272 pessoas assassinadas em Brumadinho, 20 pessoas assassinadas em Mariana. E milhares de pessoas que seguem morrendo esperando a reparação de seus territórios, enquanto são contaminadas à conta-gotas.

Quem dera a corrupção entre as empresas mineradoras e o Estado de Minas Gerais significasse apenas roubo, lavagem de dinheiro e exploração dos recursos minerais, que são patrimônio do povo mineiro, e que portanto, deveriam ser usados a partir dos interesses e necessidades da maioria da população.

Na prática este esquema de corrupção vai muito além de cifras. As mãos das mineradoras e do governo Zema e seus aliados está suja de sangue porque permite que o lucro siga prevalecendo em detrimento da vida dos trabalhadores, das trabalhadoras e das comunidades atingidas.

Diretamente para a lata de lixo da história

Zema pousa de bom moço como grande solucionador de crimes da mineração, fazendo acordos de reparação sem a participação das comunidades e desviando dinheiro daqueles que verdadeiramente precisam. Na verdade, ele é a pedra fundamental que compõe o grande esquema de corrupção do setor mineral em Minas Gerais.

Ele quer ser presidente do Brasil, mas nós não deixaremos.  

Marina Oliveira é graduada, mestre e doutoranda em Relações Internacionais pela PUC-Minas. Atualmente é pesquisadora do Centro de Estudos Latino-americanos (CELA) da Universidade Nacional Autônoma do México (UNAM) e atua como conselheira do Conselho Episcopal Latino Americano e Caribenho (CELAM), integra a coordenação estadual do Movimento pela Soberania Popular na Mineração (MAM) e participa do Movimento Brasil Popular (MBP). É autora do livro “O preço de um crime socioambiental: os bastidores do processo de reparação do rompimento da barragem em Brumadinho”.

Leia outros artigos de Marina Paula Oliveira em sua coluna no Brasil de Fato.

Este é um artigo de opinião. A visão da autora não necessariamente expressa a opinião do Brasil de Fato