Ouça a Rádio BdF
O Movimento de Trabalhadoras e Trabalhadores por Direitos (MTD) é uma organização popular nacional que constrói a luta nas periferias das cidades grandes e médias do Brasil, promovendo a auto-organ...ver mais

Belo Horizonte não pode ser exemplo de apartheid para o Brasil

É verdade que, desde suas origens, o processo de urbanização brasileira sempre foi desigual e excludente. Nunca foi diferente em BH.

Belo Horizonte (MG) assiste, nesta conjuntura, ao surgimento de uma articulação perversa, constituída para barrar a presença dos mais pobres na cidade. Seus expedientes são a propagação do preconceito, da mentira e do apartheid social e racial. O alvo? A moradia popular, que teve seu início nas áreas bem localizadas, mas que tem se espalhado pela cidade.

É verdade que, desde suas origens, o processo de urbanização brasileira sempre foi desigual e excludente. Nunca foi diferente em BH, uma capital fundada com a expulsão dos moradores originais, trabalhadores, para fora dos limites da avenida do Contorno. Os resultados desse processo histórico saltam aos olhos de qualquer pessoa capaz de observar a realidade ao redor.

De acordo com o Mapa das Desigualdades 2021, do movimento Nossa BH, a população negra belo-horizontina é maioria em áreas periféricas, como a Vila São Francisco da Chagas (94%) e o Conjunto Providência (87%), ao passo que sua presença é ínfima nos bairros providos de infraestrutura e serviços, como o Vila Paris (8%) e o Sion (10%).

Nem mesmo o Minha Casa Minha Vida (MCMV), programa que mais produziu teto para a população de baixa renda no Brasil, foi capaz de reverter essa lógica. Antes, a reforçou, construindo conjuntos para a faixa 1 em locais distantes e isolados. São conjuntos de população negra e pobre que trabalha na cidade, mas não pode fazer parte dela porque não consegue morar nela.

A partir do golpe de 2016, que depôs a então presidenta Dilma Rousseff (PT),  o programa começou a ser desidratado por Michel Temer (MDB). Em 2021, foi sepultado por Bolsonaro (PL), que o substituiu pelo Casa Verde e Amarela, um simulacro que não chegou nem perto de produzir os conjuntos mal localizados do MCMV.

Após derrotar o miliciano, graças à luta popular, Lula ressuscitou o Minha Casa Minha Vida em 2023. E o fez tentando incorporar algumas das reivindicações dos estudiosos e movimentos que, com razão, criticaram o programa. Algumas das principais exigências  foram: eliminação das propostas dos megaempreendimentos e exigibilidade de boa localização para os terrenos, com acesso a transporte coletivo, escolas, unidades de saúde e outros serviços

Mesmo com essas adequações, o MCMV ainda está longe de ser a política dos sonhos do movimento de moradia. Mas avança ao ponto de que, para muitas pessoas, ele hoje representa uma chance de habitar a cidade onde, até agora, os mais pobres só entram para trabalhar no subemprego ou para pagar caro pelo aluguel.

Ao perceberem essas mudanças, empresários do circuito imobiliário e vereadores comprados pelo dinheiro desses empresários abriram as portas do inferno para impedir a chegada dos pobres. Isso acontece em lugares onde são construídas unidades destinadas à Faixa 1, como nos bairros Castelo e Bandeirantes, na região da Pampulha, e Vitória, na região Nordeste.

O mesmo se dá com o projeto de um novo bairro no terreno do extinto Aeroporto Carlos Prates, na região Noroeste. Fazem manifestações e abaixo-assinados, espalham fake news e até apresentaram projetos de lei para evitar que os projetos avancem.

No Castelo, chegaram ao cúmulo de promover a plantação do pequizeiro, uma árvore protegida pela legislação brasileira, para inviabilizar a construção de moradia em um terreno público do município. Falam de meio ambiente após terem consentido com a destruição de áreas verdes e nascentes na capital. E falam em meio ambiente quando já não podem mais alegar a defesa do desenvolvimento urbano. 

Se dizem que a região não tem infraestrutura para suportar mais construções, como toleram por anos a verticalização desenfreada e a especulação imobiliária? Afirmam que a população de baixa renda deveria morar no Centro, mas sempre foram contra a ocupação das áreas centrais pelo movimento organizado ou os instrumentos do Plano Diretor para promover justiça na cidade, como o IPTU progressivo e a outorga onerosa.

O que não podem admitir publicamente é seu racismo e seu preconceito de classe. Se nas mídias pregam “ordenamento responsável”, “sustentabilidade” e “vizinhança segura”, nas conversas de bar, na fila do supermercado ou na saída da igreja confessam que não aceitam essa gente diferente perto de suas casas. 

Por trás de uma turma de preconceituosos, sempre há meia dúzia de gente muito rica e esperta. O cidadão de renda média quer os pobres longe de suas casas, o grande capital imobiliário quer para si os poucos terrenos públicos destinados à moradia popular. E ainda quer os muitos imóveis que deveriam estar disponíveis para a habitação.

Definitivamente, BH não pode ficar refém desses interesses. A cidade que já foi exemplo em política social no Brasil não pode ser referência de apartheid, não pode exportar para o restante do país o que de pior existe na política em todo o mundo. 

É preciso ter em mente que os trabalhadores não desaparecem após as cinco da tarde para reaparecer no dia seguinte para trabalhar. A moradia é um direito humano fundamental, reconhecido na Constituição em seu artigo 6º. A moradia é a porta de entrada para todos os outros direitos. 

*Edneia Souza é presidenta do Centro Comunitário do Taquaril e militante do MNLM e Wallace Oliveira é comunicador popular e militante do MTD.

** Este é um artigo de opinião e não necessariamente representa a linha editorial do Brasil do Fato.