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Investimento em agroecologia poderia tornar o Brasil referência mundial em adaptação climática, diz pesquisadora 

País tem rica experiência mas investimento do Estado é pequeno

Calor excessivo, chuvas torrenciais e secas constantes são alguns dos impactos das mudanças climáticas já sentidos pela população. Mas o que pouco sabem é que a forma como os alimentos são produzidos,  embalados, transportados e até descartados também está na raiz desse problema global. 

Em busca de identificar experiências que contribuem com o enfrentamento à crise ambiental e constroem na prática a justiça climática, a Articulação Nacional de Agroecologia (ANA) realizou o mapeamento nacional Agroecologia, Território e Justiça Climática, lançado na quinta-feira (25) e disponível na plataforma Agroecologia em Rede

O levantamento analisou 503 iniciativas e envolveu mais de 20 mil pessoas em 307 municípios brasileiros, evidenciando que o Brasil possui uma diversidade de grupos atuando na construção de um país mais resiliente, como explica a pesquisadora Helena Lopes, da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e do GT de Agroecologia e Justiça Climática da ANA. 

“Falamos de experiências compostas por sujeitos distintos que trazem sua perspectiva para dentro dessas práticas. Estamos falando de uma construção coletiva sobre o que é agroecologia, sobre como praticá-la, e também de uma compreensão coletiva sobre o que significam as mudanças climáticas a partir da agroecologia e da perspectiva de diversos grupos”, afirma, ao Conversa Bem Viver.

Lopes, que também é doutora em Ciências Sociais, destaca que, se houvesse mais investimento do Estado, essas ações poderiam ser ainda mais exitosas, tornando o país um exemplo mundial de enfrentamento à crise climática. 

“Das 503, apenas 187 disseram acessar políticas públicas. Esse número é muito pequeno. Estamos falando de experiências que promovem enfrentamento às mudanças climáticas, um problema global, a partir da adaptação, mitigação, resiliência, mas que poderiam fazer muito mais se fossem apoiadas. O Brasil poderia ser um exemplo para o mundo todo”, avalia. 

Confira a entrevista completa:

Brasil de Fato – O que são os sistemas alimentares e como a agroecologia se contrapõe ao processo de produção das grandes empresas?

Helena Lopes –  Uma informação bem importante para conhecimento comum é que os sistemas alimentares no mundo são responsáveis por cerca de um terço das emissões de gases de efeito estufa, que são responsáveis pelas mudanças climáticas. Quando a gente fala do Brasil, especificamente, esse sistema alimentar é responsável por 70% da emissão desses gases.

Então, estamos dizendo que as mudanças climáticas no Brasil estão diretamente conectadas a essas diferentes etapas do sistema alimentar: produção, distribuição, empacotamento, transporte, resíduos e até mesmo desperdício. 

Isso coloca uma questão importante. Quando falamos sobre mudanças climáticas, não é só para a atmosfera que a gente tem que olhar. É para a terra também, para a forma de produzir alimentos, para entender quais tipos de alimentos estão sendo produzidos e qual é o papel dos ultraprocessados na mudança do clima.

Dentro do sistema alimentar, temos uma agricultura convencional que utiliza sementes geneticamente modificadas, agrotóxicos e adubos químicos altamente dependentes de combustíveis fósseis, diretamente associados às mudanças do clima. É um tipo de agricultura baseada no monocultivo, na redução drástica da diversidade genética das espécies, sejam vegetais ou animais. 

E quando falamos de agroecologia, estamos falando exatamente do princípio da diversidade, como a diversidade alimentar, por exemplo. Não interessa pensar em um único alimento que possa ser distribuído para o Brasil todo, mas sim fortalecer diferentes hábitos alimentares de acordo com as especificidades de cada região. 

Interessa pensar quais sementes são mais adaptadas a determinada região, em relação ao tipo de solo, à disponibilidade de água e ao conhecimento dos agricultores e agricultoras no processo de seleção dessas sementes. Entender essas diferenças dentro do sistema alimentar é fundamental para compreender de onde vem a contribuição para as mudanças climáticas.

Quem são os públicos que hoje estão construindo experiências agroecológicas?

Nós mapeamos mais de 500 experiências, localizadas em todo o território nacional, em todos os estados do Brasil e em todos os biomas. Isso já mostra a diversidade dessas experiências de agroecologia no enfrentamento às mudanças climáticas. Além disso, cerca de 30 grupos diferentes participam dessas experiências: agricultores e agricultoras familiares, camponeses e camponesas, assentados e assentadas, povos indígenas, quilombolas, pesquisadores, grupos de juventude, grupos de mulheres, etc.

Ou seja, falamos de experiências compostas por sujeitos distintos que trazem sua perspectiva para dentro dessas práticas. A própria agroecologia vai ganhando significado a partir dessa diversidade. Estamos falando de uma construção coletiva sobre o que é agroecologia, sobre como praticá-la, e também de uma compreensão coletiva sobre o que significam as mudanças climáticas a partir da agroecologia e da perspectiva de diversos grupos.

Tentamos mapear as práticas que contribuem para o enfrentamento das mudanças climáticas. Um exemplo é o plantio de árvores e reflorestamento. Além de cultivar alimentos de forma diversificada, livre de transgênicos e agrotóxicos, muitas experiências combinam produção de alimentos com plantio de árvores. Isso varia conforme a região, porque reflorestar a Caatinga é diferente da Amazônia ou dos Pampas. 

Temos práticas comuns, mas que se adaptam aos sujeitos e aos territórios, mantendo a diversidade ecológica. E isso é muito importante, porque está associado à manutenção da diversidade ecológica. 

Agroecologia e justiça climática estão relacionadas, mas há muitas críticas de que governos e leis têm ações frouxas. Quais  são as conquistas e desafios nesse processo?

Fizemos esse levantamento entre abril e junho, em apenas dois meses e meio, um tempo bastante curto. Não tivemos a pretensão de mapear todas as experiências, mas conseguimos identificar 503, o que sugere que existem muito mais. E aí vem a questão: qual é o papel do Estado em apoiar essas experiências? Das 503, apenas 187 (cerca de 30%) disseram acessar políticas públicas. Esse dado é impactante.

Esse número é muito pequeno. Estamos falando de experiências que promovem enfrentamento às mudanças climáticas, um problema global, a partir da adaptação, mitigação, resiliência, mas que poderiam fazer muito mais se fossem apoiadas. O Brasil poderia ser um exemplo para o mundo todo. 

Um dado impactante é que 56% das experiências relataram diminuição da produção e 48% relataram perda de produção. Estamos perdendo a capacidade de produzir alimentos saudáveis justamente por causa das mudanças climáticas. Mas essas são as soluções que deveríamos apoiar. Então, qual é o papel do Estado diante disso? As mudanças climáticas intensificam a insegurança alimentar e nutricional, inclusive em relação a alimentos saudáveis produzidos pela agroecologia.

Essas 503 experiências, uma amostra considerável, estão apenas em áreas rurais ou alcançam territórios urbanos?

Quase metade dessas experiências está em áreas urbanas, periurbanas, cidades médias, pequenas e regiões metropolitanas. Isso é importante, porque muitas vezes, no imaginário, a agroecologia se limita ao mundo rural. Mas precisamos pensar nas conexões entre campo e cidade. 

Existem experiências, principalmente de mulheres em regiões periféricas, com hortas comunitárias e espaços de discussão sobre trabalho, segurança alimentar e mudanças climáticas. Há um esforço de combinar a prática com a construção do conhecimento sobre mudanças climáticas. 

Também há experiências no meio rural, como fábricas de bioinsumos, que evitam ao máximo o uso de insumos externos dependentes de combustíveis fósseis e químicos, que causam degradação do solo. 

Acho que, para a gente pensar sobre essa questão da injustiça climática, tem uma experiência interessante também que se descreve como diante de uma emergência hídrica. Muitas vezes na cabeça de nós, brasileiros e brasileiras, o problema hídrico está associado ao semiárido, aos sertões ou à própria Caatinga. Mas isso não é verdade, inclusive existe um paradigma de convivência com a seca.

E um outro exemplo mapeado foi um território quilombola no Pampa que, diante de emergência hídrica, desenvolveu tecnologias sociais de captação de água da chuva para garantir qualidade de vida. Houve todo um processo de aprendizagem. Essa é uma experiência que mostra como comunidades fundamentais para a preservação do ambiente têm sido afetadas pelos impactos das mudanças climáticas. 

No Amazonas, comunidades têm criado protocolos para enfrentar mudanças climáticas, valorizando práticas existentes e introduzindo novas. Isso mostra a adaptação e readequação necessárias diante de fenômenos extremos.

Quando falamos de justiça climática, é comum partir de um olhar global. Qual é a importância de juntar conhecimento científico e saberes locais?

Temos falado na ANA que precisamos fomentar e fortalecer, inclusive por meio de políticas públicas, a agroecologia nos territórios, porque isso vai garantir justiça climática no planeta.

Isso é muito importante porque estamos diante de um problema global, mas que não pode ser separado da forma como as pessoas percebem esses problemas na sua vida cotidiana, seja na escala territorial, seja na escala regional ou seja inclusive na escala de país. 

Foi por isso que fizemos o mapeamento: construir uma interpretação das mudanças climáticas a partir da agroecologia. As experiências nos mostram o que está sendo feito, como e por quem.

Para pensarmos sobre isso tem algumas questões importantes. Está nítido para a sociedade que os setores da agricultura convencional, corporativa, que se chamam de “verde” têm construído suas respostas para as mudanças climáticas, que identificamos como falsas soluções, por não evidenciarem quais são as causas do problema.

Era muito importante que nos desafiássemos a construir uma interpretação sobre o que significam as mudanças climáticas a partir de um olhar da agroecologia. E aí, nada mais efetivo do que entender o que as experiências estão pensando sobre isso. 

Foi um mapeamento autodeclarado, que as experiências preencheram. Tem aquele momento de preencher um formulário que às vezes não se adapta muito à realidade delas. Então, existe um desafio ainda metodológico. Mas, através dessas experiências, chegamos nesse conjunto de reflexões.

Uma informação, por exemplo, que perguntamos durante a pesquisa, foi se o tema das mudanças climáticas era ou não tratado nos territórios. Parte das experiências respondeu que sim, que era tratado. Contudo, ele só é tratado de forma consolidada em 36% das experiências. Isso coloca uma necessidade de processo de formação contínua.

As pessoas estão aprendendo sobre o que significam as mudanças climáticas, estão fazendo as conexões entre o que estão sentindo no território como o aumento da temperatura, por exemplo, a erosão do solo, a desertificação, etc, como associadas às mudanças climáticas. Então, estamos tentando conectar as percepções que as pessoas têm tido e como isso pode ser traduzido numa compreensão coletiva sobre as mudanças climáticas.

Isso é fundamental, inclusive, para termos um conhecimento cada vez mais aprofundado sobre o que são as mudanças climáticas e evitar de entendê-las apenas como uma abstração, por exemplo, da quantidade de gás carbônico que é depositado na atmosfera. 

Muitas vezes as pessoas pensam que agroecologia está distante da sua vida, porque não mexem na terra, não frequentam feira agroecológica, não militam ou pesquisam o assunto. Mas a agroecologia faz parte da vida de todo mundo?

Com certeza. O alimento está presente na vida de todos nós, ou pelo menos deveria estar, já que ainda existe insegurança alimentar no Brasil. Essa discussão sobre alimentação, acesso e o papel dos alimentos nas mudanças climáticas é chave para aproximar a sociedade do tema da agroecologia e das mudanças climáticas. Sistema alimentar e mudanças climáticas fazem parte da mesma engrenagem. Entender o que comemos, como comemos e com quem comemos é fundamental para frear o aumento da temperatura e compreender melhor as mudanças climáticas.

Não quero dizer que a responsabilidade individual vai resolver as mudanças climáticas, mas é importante trazer o debate para a vida das pessoas. Muitas vezes, a academia, movimentos sociais e políticas públicas separam os temas em caixinhas: alimento, questão agrária, questão ambiental. Mas tudo está conectado. Quanto mais conseguimos aproximar da vida das pessoas, mais efetivo será o debate.

Conversa Bem Viver

Em diferentes horários, de segunda a sexta-feira, o programa é transmitido na Rádio Super de Sorocaba (SP); Rádio Palermo (SP); Rádio Cantareira (SP); Rádio Interativa, de Senador Alexandre Costa (MA); Rádio Comunitária Malhada do Jatobá, de São João do Piauí (PI); Rádio Terra Livre (MST), de Abelardo Luz (SC); Rádio Timbira, de São Luís (MA); Rádio Terra Livre de Hulha Negra (RN), Rádio Camponesa, em Itapeva (SP), Rádio Onda FM, de Novo Cruzeiro (MG), Rádio Pife, de Brasília (DF), Rádio Cidade, de João Pessoa (PB), Rádio Palermo (SP), Rádio Torres Cidade (RS); Rádio Cantareira (SP); Rádio Keraz; Web Rádio Studio F; Rádio Seguros MA; Rádio Iguaçu FM; Rádio Unidade Digital ; Rádio Cidade Classic HIts; Playlisten; Rádio Cidade; Web Rádio Apocalipse; Rádio; Alternativa Sul FM; Alberto dos Anjos; Rádio Voz da Cidade; Rádio Nativa FM; Rádio News 77; Web Rádio Líder Baixio; Rádio Super Nova; Rádio Ribeirinha Libertadora; Uruguaiana FM; Serra Azul FM; Folha 390; Rádio Chapada FM; Rbn; Web Rádio Mombassom; Fogão 24 Horas; Web Rádio Brisa; Rádio Palermo; Rádio Web Estação Mirim; Rádio Líder; Nova Geração; Ana Terra FM; Rádio Metropolitana de Piracicaba; Rádio Alternativa FM; Rádio Web Torres Cidade; Objetiva Cast; DMnews Web Rádio; Criativa Web Rádio; Rádio Notícias; Topmix Digital MS; Rádio Oriental Sul; Mogiana Web; Rádio Atalaia FM Rio; Rádio Vila Mix; Web Rádio Palmeira; Web Rádio Travessia; Rádio Millennium; Rádio EsportesNet; Rádio Altura FM; Web Rádio Cidade; Rádio Viva a Vida; Rádio Regional Vale FM; Rádio Gerasom; Coruja Web; Vale do Tempo; Servo do Rei; Rádio Best Sound; Rádio Lagoa Azul; Rádio Show Livre; Web Rádio Sintonizando os Corações; Rádio Campos Belos; Rádio Mundial; Clic Rádio Porto Alegre; Web Rádio Rosana; Rádio Cidade Light; União FM; Rádio Araras FM; Rádios Educadora e Transamérica; Rádio Jerônimo; Web Rádio Imaculado Coração; Rede Líder Web; Rádio Club; Rede dos Trabalhadores; Angelu’Song; Web Rádio Nacional; Rádio SINTSEPANSA; Luz News; Montanha Rádio; Rede Vida Brasil; Rádio Broto FM; Rádio Campestre; Rádio Profética Gospel; Chip i7 FM; Rádio Breganejo; Rádio Web Live; Ldnews; Rádio Clube Campos Novos; Rádio Terra Viva; Rádio interativa; Cristofm.net; Rádio Master Net; Rádio Barreto Web; Radio RockChat; Rádio Happiness; Mex FM; Voadeira Rádio Web; Lully FM; Web Rádionin; Rádio Interação; Web Rádio Engeforest; Web Rádio Pentecoste; Web Rádio Liverock; Web Rádio Fatos; Rádio Augusto Barbosa Online; Super FM; Rádio Interação Arcoverde; Rádio; Independência Recife; Rádio Cidadania FM; Web Rádio 102; Web Rádio Fonte da Vida; Rádio Web Studio P; São José Web Rádio – Prados (MG); Webrádio Cultura de Santa Maria; Web Rádio Universo Livre; Rádio Villa; Rádio Farol FM; Viva FM; Rádio Interativa de Jequitinhonha; Estilo – WebRádio; Rede Nova Sat FM; Rádio Comunitária Impacto 87,9FM; Web Rádio DNA Brasil; Nova onda FM; Cabn; Leal FM; Rádio Itapetininga; Rádio Vidas; Primeflashits; Rádio Deus Vivo; Rádio Cuieiras FM; Rádio Comunitária Tupancy; Sete News; Moreno Rádio Web; Rádio Web Esperança; Vila Boa FM; Novataweb; Rural FM Web; Bela Vista Web; Rádio Senzala; Rádio Pagu; Rádio Santidade; M’ysa; Criativa FM de Capitólio; Rádio Nordeste da Bahia; Rádio Central; Rádio VHV; Cultura1 Web Rádio; Rádio da Rua; Web Music; Piedade FM; Rádio 94 FM Itararé; Rádio Luna Rio; Mar Azul FM; Rádio Web Piauí; Savic; Web Rádio Link; EG Link; Web Rádio Brasil Sertaneja; Web Rádio Sindviarios/CUT.

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