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‘Só o virtual não se sustenta’, aponta Kiko Dinucci sobre a digitalização do mercado musical

Compositor destaca barreiras no meio artístico e tecnológico enquanto produz novo disco com influências retrôs

“Só o virtual não se sustenta”, afirma Kiko Dinucci, músico, compositor, instrumentista e diretor de cinema, no episódio 79 do Sabe Som?. Ele reflete sobre as formas atuais de produzir e consumir música e alerta que a presença exclusivamente digital não garante sucesso para novos artistas. O instrumentista também revisita sua trajetória e aponta que a padronização das produções impostas pelo mercado digital “contamina muito e é prejudicial para a arte.”

Em bate-papo com o apresentador Thiago França, Dinucci lembra de seus primeiros passos no mundo artístico e explica como está mergulhado em um novo projeto: reestilizar algumas faixas de Noel Rosa, dando a elas uma roupagem totalmente diferente das versões originais.

Ele destaca que, apesar da qualidade instrumental das canções compostas nos anos 1930, decidiu reinterpretar parte do repertório do sambista carioca de forma disruptiva, com guitarras, samples e recursos inexistentes na época. Apesar de habituado à guitarra – instrumento que também utiliza no Metá Metá, ao lado de Juçara Marçal e Thiago França – Dinucci ironiza dizendo que em seu novo trabalho pretende fazer “barulhos horrorosos que o Steve Vai nunca vai conseguir tocar.”

Com mais de três décadas de experiência na música, o compositor reconhece os desafios de imprimir novos sentidos a um repertório presente nas prateleiras do Brasil há mais de 90 anos. Ele afirma que busca “fugir daquela aparência do Rio de Janeiro bucólico”, ainda que isso possa soar como “um paulistano urbanoide cantando Noel Rosa e tocando guitarra”.

Algumas músicas, no entanto, ficaram de fora. Dinucci sublinha que, por mais primoroso que seja o acervo de Noel Rosa, faixas como “Mulher Indigesta” e “Se Você Jurar” não entrarão no disco, já que “elas fizeram sentido somente naquela época, com toda a violência, misoginia e racismo que elas tinham.” Apesar disso, reforça que gostando ou não “a obra já existe e é um print eterno.”

As produções musicais contemporâneas lidam hoje com outras sensibilidades sociais, mas continuam submetidas às diretrizes e ao ritmo ditado pelas plataformas de streaming. Ao falar de sua experiência como produtor, Dinucci resume: “tem de tudo ali, de produtor, estilista e até psicólogo.”

“Dá dinheiro se você produzir o mainstream”

Com a popularização dos meios digitais de consumo, viver de arte enfrenta obstáculos novos, segundo Dinucci. Artistas independentes, mesmo talentosos, esbarram em um mercado cada vez mais restrito, realidade que também atinge quem trabalha nos bastidores. “Produção não dá dinheiro, velho, só dá dinheiro se você produzir o mainstream”, protesta.

Ao recordar o início dos anos 2000, quando a internet popularizou os blogs e fóruns de compartilhamento, o compositor relembra como “enxergava a possibilidade de um mundo novo, e pensava ‘Acabou o capitalismo’”, já que era possível enviar e baixar músicas gratuitamente. O cenário, no entanto, se inverteu: hoje, o acesso às “prateleiras digitais” depende mais uma vez de quem pode pagar, seja para consumir, seja para publicar.

Dinucci observa que essa lógica sempre existiu na música. Ele lembra que, por décadas, o samba foi estigmatizado: “muita gente gostava escondido, pois era coisa de pobre e de periferia”, enquanto atualmente “é hit total e tem uma aceitação total.”

Para ele, a homogeneização também marca o presente.“Hoje em dia, se você escuta as músicas mais estouradas, consegue notar que elas têm o mesmo timbre, elas têm o mesmo padrão, a mesma masterização, mesma compressão. Todas com a mesma cara para poder entrar na plataforma!”

Por fim, o compositor destaca que, apesar dos novos obstáculos, a criação segue florescendo. “As pessoas vão fazendo as coisas do jeito que dá. E você ainda encontra gente muito talentosa que, às vezes, não tinha a mínima condição econômica de produzir nada, mas ela vai lá, faz o trabalho através do celular, e faz a coisa acontecer.” Para Dinucci, apesar da tecnologia ser um grande facilitador, “a arte mais visceral caminha por fora desses lugares.”

O podcast Sabe Som? vai ao ar toda sexta-feira, às 10h da manhã, e está disponível nas principais plataformas de podcast como Spotify e YouTube Music.

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