A jornalista e criadora de conteúdo Ana Paula Barbosa, responsável pelo perfil @narrativafeminina no Instagram, afirma que o cinema e a televisão continuam reproduzindo desigualdades de gênero e raça. Ao BdF Entrevista, da Rádio Brasil de Fato, ela explica como os estereótipos femininos permanecem centrais nas narrativas audiovisuais e defende a ampliação da diversidade no setor.
“Esse projeto nasceu com uma descoberta pessoal minha”, conta, sobre o Narrativa Feminina. “Percebi que tinha uma grande diferença em como mulheres eram retratadas pelo olhar das mulheres e pelo olhar dos homens. É uma indústria dominada por homens brancos, cis e héteros, que nunca pensam na mulher como um ser, sempre como um objeto”, diz.
Segundo Barbosa, a falta de personagens femininas complexas ainda é a regra. “As mulheres não são unidimensionais, mas o cinema perpetuou que elas só podem ser uma coisa. Em histórias feitas por mulheres, vemos personagens que erram, que são múltiplas, profundas e independentes. Essa é a diferença primordial”, aponta.
Entre os exemplos, a jornalista cita o “mito da mulher perfeita”, em que personagens femininas só aparecem como idealizadas, sem falhas, e sempre em função da narrativa masculina. Ela também destaca o estereótipo da “bruxa velha”, comum em filmes de terror, que associa o envelhecimento feminino ao mal.
“Perpetuar esse estereótipo, de que a velhice feminina é o maior medo de uma pessoa, obviamente tem consequências. O Brasil é o segundo país que mais faz cirurgia plástica, e isso se conecta ao medo da mulher de envelhecer, já que somos validadas pela beleza”, critica.
Ela também aponta como vilãs femininas raramente são escritas com a mesma profundidade que personagens masculinos. “Geralmente existe sempre uma justificativa envolvendo algum homem. Ela não pode ser má pelos seus próprios princípios. É sempre desbalanceado quando se trata de mulheres violentas”, observa.
Diversidade como ameaça
Ao comentar o uso do termo “agenda woke”, usado pela extrema direita, Barbosa ressalta que se trata de um inimigo criado para deslegitimar avanços sociais. “A diversidade incomoda tanto porque ameaça uma estrutura e ameaça quem sempre teve o controle, e não porque não faz sucesso. O Barbie foi um fenômeno de bilheteria, Bridgerton é um sucesso, mas empresas e políticos usam o ‘woke’ como bode expiatório para justificar retrocessos”, analisa.
O filme Barbie (2023), dirigido por Greta Gerwig, discute padrões de gênero e identidade a partir da boneca. A comédia arrecadou cerca de US$ 1,4 bilhão (por volta de R$ 7,7 bilhões), batendo o recorde de maior bilheteria de um longa dirigido por uma mulher. Já a série Bridgerton (2020), criada por Chris Van Dusen e produzida por Shonda Rhimes para a Netflix, adapta os romances de Julia Quinn ao recriar a Londres da Regência com um elenco racialmente diverso. A terceira temporada teve 45,1 milhões de visualizações em apenas três dias.
Audiovisual brasileiro e políticas públicas
O problema, afirma, não se restringe a Hollywood. “Aqui no Brasil a indústria ainda é extremamente branca e masculina. A Agência Nacional do Cinema (Ancine) mostrou que, entre os 200 filmes de maior bilheteria de 1995 a 2016, não houve nenhum dirigido por uma mulher negra. Não quer dizer que elas não existam, mas que não têm oportunidade de chegar ao grande público”, ressalta Barbosa.
Para a jornalista, é fundamental adotar medidas de incentivo. “As cotas são necessárias, tanto no cinema quanto no streaming. É preciso priorizar produções nacionais e feitas por pessoas diversas”, defende.
Ela destaca ainda o papel do público. “Nada vai cair no nosso colo. Precisamos buscar, apoiar, discutir cinema e mostrar que existe interesse. Essa falta de diversidade gera consequências inimagináveis. Se ver em tela constrói imaginários, autoestima e mostra que nós também podemos ocupar esses espaços”, conclui.
Para ouvir e assistir
O BdF Entrevista vai ao ar de segunda a sexta-feira, sempre às 21h, na Rádio Brasil de Fato, 98.9 FM na Grande São Paulo. No YouTube do Brasil de Fato o programa é veiculado às 19h.