Nesta segunda-feira (29), uma delegação formada por 36 indígenas dos povos Xokleng, Kaingang e Guarani, dos estados de Santa Catarina, Rio Grande do Sul e Paraná, chegou a Brasília para reivindicar agilidade na demarcação de terras indígenas e providências do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre a declaração de inconstitucionalidade da lei 14.701/2023, que estabelece a tese do marco temporal.
O grupo se une ao líder indígena Simão Guarani-Kaiowá, representante dos Guarani e Kaiowá do Mato Grosso do Sul, que já está na capital para pedir providências ao Governo Federal no combate à violência contra o seu povo. Os Guarani e Kaiowá vivem sob constantes ataques e, nas últimas semanas, sofrem com a escalada da violência no município de Caarapó.
“Estou trazendo várias situações aqui, aproveitando este ano, porque ano que vem já é ano político, então vai paralisar tudo”, diz Simão, que é líder na Aty Guasu, a Grande Assembleia dos povos Guarani e Kaiowá.
Na agenda da delegação indígena, estão atos diante do STF e audiência com representantes do Ministério dos Povos Indígenas (MPI), Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) e Secretaria Geral da Presidência da República.
O tema central dos diálogos e manifestações é a efetivação da derrubada da tese do marco temporal, pela qual os povos indígenas somente teriam direito às terras que ocupavam ou já disputavam na data de promulgação da Constituição de 1988.
Em setembro de 2023, o STF decidiu que a data não pode ser utilizada para definir a ocupação tradicional da terra pelas comunidades indígenas. No entanto, até o momento, os povos indígenas do Brasil não tiveram a demarcação da totalidade das suas áreas.
Em carta encaminhada ao ministro Edson Fachin, presidente do STF, os indígenas questionam o andamento da regulamentação dos seus territórios. “Por que o marco temporal está valendo se o STF decidiu pela sua inconstitucionalidade? Por que a demarcação da nossa terra não avança e até a homologação da TI Toldo Imbu teve seus efeitos suspensos por causa do marco temporal se o STF disse que o marco temporal é inconstitucional? A decisão do STF contra o marco temporal não valeu de nada?”, provoca o documento.
Localizada em Abelardo Cruz, em Santa Catarina, a TI Toldo Imbu teve o processo de demarcação suspenso em janeiro de 2025, após o governo do Estado ingressar com uma ação contrária à regularização.
Um levantamento da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), aponta que 70 Terras Indígenas aguardam homologação – etapa final do processo de demarcação. “Cada dia sem demarcação significa um povo em risco”, alerta a articulação, que ressalta o risco da morosidade. “A Constituição garante o direito originário aos povos indígenas, mas a demora no processo coloca vidas em perigo: só em 2024, foram 211 assassinatos e mais de 100 conflitos territoriais em 19 estados”, informa a nota enviada à imprensa.
Guarani e Kaiowá sob ataque
No Mato Grosso do Sul, os Guarani e Kaiowá sofrem diariamente com a insegurança jurídica resultante da não demarcação das suas terras. Em um caso recente de violência, registrado no último dia 25, pistoleiros enterraram dois cachorros vivos na área de retomada da Terra Indígena Guyraroká, em Caarapó. Por lá, os Guarani e Kaiowá convivem com a contaminação por agrotóxicos, que afeta suas lavouras. O veneno é pulverizado inclusive na área da escola da comunidade.
“A paciência da comunidade acabou devido a agrotóxico. A primeira derramada de veneno foi em cima da escola e em cima da comunidade”, denuncia Simão.
Em Brasília, ele procurou a Funai, o MPI e o Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania (MDH). O líder pede que o Governo Federal reforce a presença da Força Nacional na área e avance no processo de demarcação da TI Guyraroká.
Em nota enviada ao Brasil de Fato, o MPI informa que acompanha a situação em Caarapó desde domingo (21).
O ministério afirma que, em reunião realizada com o Governo de Mato Grosso do Sul, também na semana passada, ficou acertada a criação de uma força-tarefa conjunta entre o MPI e o governo do Estado para estudar caminhos viáveis com o propósito de cessar a violência sofrida pelos Guarani Kaiowá na região. “A meta é monitorar os casos que se encontram em fase final e encontrar soluções que envolvam as comunidades indígenas e o poder público, com foco inicial nos municípios de Dourados, Douradina e Caarapó. Além disso, [também] construir uma estratégia de treinamento para que as forças de segurança pública respeitem os direitos e os territórios dos povos indígenas mencionados”, informa o MPI.
O órgão afirma, ainda, que solicitou ao Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP) o aumento do efetivo da Força Nacional de Segurança Pública (FNSP) no sul do estado de Mato Grosso do Sul, na última terça-feira (23), no âmbito da Operação Tekoha IV. “O reforço solicitado pelo MPI visa prevenir a escalada da violência, proteger a integridade de famílias indígenas e assegurar a atuação de servidores públicos em atividades de mediação, fiscalização e garantia de direitos”, diz a nota.
O Brasil de Fato entrou em contato também com o MDHC e com a Funai. Não houve resposta até a publicação deste texto.