Os municípios de Candiota e Hulha Negra, na região da Campanha, articulam a implantação conjunta de uma Zona de Processamento de Exportações (ZPE), já com sinalização positiva do Conselho Nacional das ZPEs.
A proposta avançou na última sexta-feira (26), em Hulha Negra, em seminário que reuniu prefeituras, vereadores, universidade, cooperativas, movimentos sociais, empresas e a participação do vice-presidente da Goldwind Aerogeradores, multinacional chinesa do setor eólico, Roberto Veiga. Localizadas na região sudoeste do estado, no Pampa gaúcho, Hulha Negra conta com uma população de quase 6 mil habitantes, já Candiota um pouco mais de 10 mil moradores.
A ZPE é pensada como estratégia para reduzir a dependência da mineração e da geração de energia a carvão, inserindo-se no debate sobre transição energética justa. O projeto prevê incentivos fiscais e aduaneiros para atrair indústrias exportadoras, com potencial de gerar empregos, inovação tecnológica e integração produtiva na fronteira com o Uruguai.
“O povo tem que ser sujeito do processo histórico”
Para o diretor do Instituto Cultural Padre Josimo, frei Sérgio Antônio Görgen, o seminário marcou um passo importante de diálogo direto com a população. “É o primeiro evento chamando o povo para esse debate. Nós temos uma prática de não fazer nada sem o envolvimento popular. O povo tem que ser sujeito do processo histórico. Esta proposta pode alterar a condição da metade sul do estado, e o apoio da população é fundamental.”
Segundo ele, os objetivos estratégicos da ZPE são industrializar uma região historicamente de baixa industrialização, facilitar a transição energética com menor pegada de carbono, aproveitando o grande potencial eólico da Campanha, e gerar empregos para a juventude.
“Se houver uma interrupção abrupta do uso do carvão, os jovens que hoje trabalham nas usinas terão que ir embora. O que defendemos é transição, não interrupção. Por isso, este projeto conecta desenvolvimento sustentável, empregabilidade e educação técnica, que precisa vir junto com a indústria.”
Frei Sérgio lembrou ainda que a região já tem forte produção agropecuária, além de vitivinicultura, olivicultura, turismo e artesanato. “A economia local já é diversificada, mas precisa se acentuar ainda mais para não depender de um único setor. A ZPE vem justamente para atrair indústrias, gerar empregos e fortalecer o desenvolvimento regional.”

Engenheiro: transição energética precisa ser com justiça social
Engenheiro eletricista e natural da Campanha, João Ramis considera histórico o debate: “Eu já estou com quase 70 anos e, pela primeira vez, vejo um movimento capaz de industrializar a região com um modelo tecnológico importante. A ZPE pode atrair indústrias modernas, gerar empregos e transformar o cenário de baixo desenvolvimento social e econômico que sempre marcou a Campanha”.
Ele lembra que a região abriga a maior jazida de carvão do Brasil e depende historicamente dessa matriz, mas ressalta que o país tem compromissos ambientais internacionais e éticos que exigem a substituição gradual. “Embora a energia a carvão represente apenas 0,1% do impacto global, é simbólico que o Brasil faça essa transição. Temos aqui um potencial eólico gigantesco, e empresas como a chinesa Goldwind já demonstram interesse. É uma chance de avançarmos para uma matriz limpa sem deixar nossa juventude sem alternativas.”
Ramis, que foi coordenador do Programa Luz para Todos, defende que a transição seja conduzida com responsabilidade social. “Ninguém aqui é favorável à utilização do carvão da forma poluente como sempre foi. Mas não podemos simplesmente desligar a chave das usinas e colocar 5 mil pessoas no desemprego. A motivação ambiental é justa, mas não pode justificar a miséria. É preciso transitar para o renovável com justiça social.”
Prefeitos da Campanha defendem projeto como motor de desenvolvimento
O prefeito de Hulha Negra, Fernando Campani (PT), destacou que a ZPE representa oportunidade de emancipação econômica. “Hulha Negra e cidades semelhantes precisam conquistar isso, e a ZPE pode aquecer cadeias produtivas já consolidadas, como grãos, sementes e leite. Nós temos produtos de alta qualidade e queremos agregar valor, não apenas produzir matéria-prima. A gente costuma brincar: precisamos transformar o nosso milho, no mínimo, em polenta.”
Ele ressaltou ainda a necessidade de alinhamento à preservação do Bioma Pampa. “Não se discute sustentabilidade. Ela é inerente ao nosso projeto. Queremos uma ZPE que una desenvolvimento industrial, econômico, social, cultural e ambiental.”
Já o prefeito de Candiota, Luis Carlos Folador (MDB), defendeu a diversificação da economia local. “Temos condições de produzir metanol, fertilizantes, ferro, silício e alumínio a partir do carvão, além da instalação de fábricas de torres para energia eólica. O Rio Grande do Sul tem enorme potencial eólico, mas hoje esses equipamentos são produzidos na Bahia. Podemos trazer essa indústria para cá.”
Segundo ele, o projeto tem apoio amplo e expectativa de investimentos de R$ 1 bilhão. “Estamos todos unidos para alavancar esse movimento. Tivemos boa acolhida em Brasília, e nossa expectativa é que o decreto presidencial que cria a ZPE seja publicado em breve.”

Empresas apostam em energias renováveis, data centers e hidrogênio verde
O vice-presidente da Goldwind Aerogeradores, Roberto Veiga, afirmou que a proposta busca alinhar desenvolvimento e sustentabilidade. “Viemos mostrar a possibilidade de investimentos aqui no Sul, baseados na necessidade de produção e geração de energia. Isso atrai empresas que vão instalar data centers, produzir químicos e desenvolver o hidrogênio verde. O mundo discute hoje a crise climática, e a transição energética é fundamental para o futuro das pessoas.”
Segundo ele, a região pode se tornar polo de produção de equipamentos para energia eólica e receber fábricas de torres de mais de 160 metros.
O engenheiro Gabriel Schiriak detalhou aspectos técnicos. “A ZPE é uma área de livre comércio destinada à exportação, com regime diferenciado. Seu objetivo é gerar desenvolvimento regional, empregos e atrair indústrias de ponta. Diferente da Zona Franca de Manaus, que abastece o mercado interno, a ZPE é voltada para fora.”
Entre os setores prioritários, citou data centers e hidrogênio verde. “O hidrogênio verde é obtido pela eletrólise da água com eletricidade limpa. Pode ser convertido em amônia verde e tem enorme valor para exportação. Hoje o Brasil ainda importa, mas temos condições de produzir em escala.”
Sindicato, universidade e lideranças reforçam necessidade de empregos e formação
O presidente do Sindicato dos Mineiros de Candiota, Moisés Rodrigues, destacou a preocupação com a substituição da mineração. “Nossa preocupação não é só a transição energética, mas a falta de postos de trabalho para absorver a mão de obra da mineração. Quase 90% da renda do município vem dela. A ZPE é uma luz no fim do túnel.”
Ele defendeu alternativas de uso menos poluente do carvão. “Temos que fazer a transição energética, não a extinção energética. Se encontrarmos outra forma de consumir o carvão sem afetar tanto o meio ambiente, é válido. Podemos trazer empresas que o utilizem para fertilizantes e novos produtos.”
A vice-reitora da Universidade Federal do Pampa (Unipampa), Franceli Brizola, lembrou que a universidade nasceu de uma luta social e está aberta a apoiar o projeto. “Estamos há 17 anos na região e já vimos a transformação que a universidade trouxe. Queremos pensar junto: que formação precisamos, quais pontos científicos e tecnológicos podemos abordar? Estamos de portas abertas para contribuir.”
Juventude e parlamentares projetam futuro
O deputado federal Alexandre Lindemeyer (PT) ressaltou o potencial da região em diversificar sua matriz energética e atrair empresas globais, citando a presença de representantes da empresa chinesa Goldwind. “Um dos temas mais relevantes do mundo hoje é a energia. Aqui temos não só o carvão, mas também a energia eólica. Não é pouca coisa ter uma empresa do porte da Goldwind interessada na nossa região. Já tivemos uma aprovação preliminar no Conselho Nacional da ZPE e precisamos consolidar esse projeto. Isso pode gerar emprego, renda e oportunidades, revertendo a realidade de êxodo que o nosso estado enfrenta.”
Para ele, é preciso garantir que a formação oferecida pelas universidades e institutos locais encontre espaço para fixar a juventude. “Nós qualificamos pessoas, temos mão de obra qualificada, mas muitas vezes não há oportunidades de enraizamento. Os jovens saem porque não veem perspectiva. A ZPE pode ser uma resposta a esse desafio.”
O presidente da Câmara de Vereadores de Hulha Negra, Josias dos Santos Vidarte (PSB), afirmou que a prioridade é atrair investimentos que possam gerar empregos: “Não temos emprego, não temos muito trabalho. E com esse projeto vamos atrair empresas multinacionais para que venham se instalar aqui. A Câmara de Hulha Negra, assim como a de Candiota e as prefeituras, vai fazer tudo que tiver ao alcance para que esse projeto saia. Precisamos desenvolver a economia, gerar renda e oportunidades para nossa população.”
Já o vereador Axel Costa trouxe a perspectiva da juventude, lembrando que o medo de perder espaço e oportunidades é um sentimento compartilhado pela comunidade. “O sentimento das pessoas que vivem na região é o medo: medo de perder o emprego, medo de ver o filho sair para estudar e não voltar. E eu, como jovem, tenho a obrigação de dar voz a isso. Nossa juventude não é o futuro, é o presente. A ZPE pode mudar essa realidade, porque vai trazer incentivos que hoje só existem em outros polos. Estamos em uma região estratégica, que produz energia, que tem potencial agrícola e turístico, mas falta perspectiva para fixar a nossa juventude.”
Ele encerrou sua fala citando Eduardo Galeano: “A utopia está no horizonte… Para que serve a utopia, então? Para que a gente nunca deixe de caminhar.” O seminário mostrou consenso entre lideranças sindicais, políticas e acadêmicas sobre a necessidade de diversificar a economia regional e planejar alternativas diante da transição energética.
Encaminhamentos definidos no seminário
Durante o encontro, foram listados os principais encaminhamentos para viabilizar a instalação da Zona de Processamento de Exportação (ZPE) na região:
- Proposição oficial: As prefeituras de Candiota e Hulha Negra devem formalizar, de maneira conjunta, a proposição da ZPE.
- Gestão da ZPE: Será necessário identificar uma empresa que possa assumir a gestão da ZPE.
- Empresas âncoras: A prospecção de empresas âncoras será fundamental para garantir a atratividade da ZPE.
- Prospecção de empresas que desejem participar da ZPE.
- Equipe técnica: Haverá a constituição de uma equipe técnica qualificada para elaboração do projeto.
- Seminário: Realização de um novo seminário no município de Candiota, com a presença do Conselho Nacional das ZPEs.
- Visita técnica: Uma comitiva regional deve visitar experiências já consolidadas em outros estados.
- Mapeamento de potencialidades: Serão identificados os potenciais econômicos da região para atrair investimentos.
- Geração de empregos e qualificação: Garantir que a juventude local tenha oportunidades de qualificação e emprego.
Além disso, houve referência à articulação da emenda do deputado Paulo Pimenta à Medida Provisória 1.304, que busca dar fôlego à transição energética e às iniciativas já avançadas, como os projetos da Vamtec.