Estreia dos cinemas da última semana, o longa gaúcho Bicho Monstro, de Germano de Oliveira, tem uma sessão comentada com o diretor nesta terça-feira (30), às 19h, em Porto Alegre (RS), no CineBancários (R. Gen. Câmara, 424 – Centro Histórico), com mediação do jornalista e crítico de cinema Roger Lerina. Os ingressos podem ser adquiridos a R$ 14 na bilheteria (idosos, estudantes, bancários, jornalistas sindicalizados, portadores de ID Jovem e pessoas com deficiência pagam R$ 7).
A produção foi rodada nas cidades gaúchas de Santa Maria do Herval e Morro Reuter. Como muitos títulos da tradicional filmografia gaúcha produzida fora da capital Porto Alegre, é natural – e até esperado – que um animal assuma um espaço marcante nas narrativas identificadas com os costumes daqui.
Desse modo, um cavalo ou uma vaca (boi ou um coletivo de rebanho) são personagens clássicos das nossas obras. Ok, Bicho Monstro também ronda como um grande mistério o que de fato ocorreu com uma vaca de competição de feiras do Interior.
Mais atualmente, para citar a Mostra de Longas Gaúchos do Festival de Gramado do ano passado, tivemos a tartaruginha de Até que a música pare e o sapo de Memórias de um esclerosado. E, aqui, Germano vai além: traz um bichinho mítico, único, especial, exclusivo dali daquele chão que sedia seu enredo, justificando o seu título.
Em um vilarejo rural de colonização alemã, a pequena Ana (Kamilly Wagner) assiste a uma peça de teatro sobre a história do Thiltapes, um perigoso animal que vive na mata cuja forma real ninguém conhece. Duzentos anos antes, um botanista (Pascal Berten) que escreve sobre a região ouve falar sobre essa mesma espécie estranha de pássaro.
Separadas por dois séculos, as histórias se intercalam, ambos em uma obcecada busca pelo Thiltapes imaginário, ao mesmo tempo em que encaram seus próprios demônios, os segredos que os assombram: o debilitado botanista ávido por uma descoberta que justifique sua viagem para tão longe, neste lugar novo, e Ana intrigada com seu pai, suspeito de ter cometido um crime brutal contra a vaca de um vizinho.

Germano de Oliveira buscou inspiração no realismo fantástico e em sua familiaridade com os vilarejos interioranos das áreas de imigração alemã, que perpetuaram essa lenda: “O roteiro foi um processo também muito singular, porque sempre quis que o filme fosse muito influenciado pela realidade do lugar onde a gente estivesse filmando. Influenciado, por mais que fosse um filme bastante ficcional, pois a gente não estava querendo fazer um filme realista. Um filme totalmente ficcional, mas com algumas questões ali que a gente escutava, que circulavam pelas histórias da região, que passavam por nós”.
Bicho Monstro teve sua première na competitiva “Novos Diretores” da 48ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo, onde entrou na lista dos 16 filmes favoritos do público em 2024. Neste ano, no 53º Festival de Cinema de Gramado, o filme venceu os indiscutíveis Kikitos de melhor direção de fotografia (Bruno Polidoro) e direção de arte (Gabriela Burck) na mostra gaúcha.
O título está em cartaz desde a última quinta-feira (25). As praças de exibição podem ser conferidas no Instagram @boulevardfilmes.
O elenco tem ainda Araci Esteves, como Bertha (homenageada neste ano em Gramado e também no Festival Santa Cruz de Cinema), Décio Worst (Heitor), Carlos Alberto Klein, o Betinho (Matias), Daniel Tonin Lorenzon (Júnior), Alex Pantera (Mariano) e Geraldo Souza (Firmino).
Germano de Oliveira divide o roteiro com Igor Verde e Marcela Ilha Bordin; a montagem, com Bruno Carboni; e Produção de Elenco com Jessica Luz e Rodrigo Scheid. Filme autoral? Imagina, quase nada!
Na parte sonora, outro aspecto bem realizado e que chama atenção no resultado final, Tiago Bello assina o desenho de som e a mixagem. Tomaz Borges foi o técnico de som direto. A Trilha Sonora Original é de Caio Amon.
A obra é uma produção da Casa de Cinema de Porto Alegre (Ana Luiza Azevedo, Nora Goulart) e Vulcana Cinema (Jessica Luz e Paola Wink), em coprodução com a Avante Filmes (Filipe Matzembacher e Marcio Reolon são sócios de Germano). A distribuição é da Boulevard Filmes, em parceria com a Vitrine Filmes.
O financiamento é do Fumproarte e Fundo Setorial do Audiovisual – FSA. Este título integra a Carteira de Projetos Boulevard Filmes, que recebeu o apoio do Governo do Estado de São Paulo, da Secretaria da Cultura, Economia e Indústria Criativas, do Governo Federal, do Ministério da Cultura e da Lei Paulo Gustavo, através do Edital Lei Paulo Gustavo SP No 15/2023 – Distribuição de Produção Audiovisual Nacional.
Este é o longa de estreia de Germano como diretor. Ele é reconhecido por seu trabalho como montador. Entre seus trabalhos nesta função, estão quatro séries e 13 longas.
Sócio da produtora Avante Filmes, trabalhou em filmes como o sucesso nacional Homem com H (2025), Tinta Bruta (Teddy Berlinale 2018), Minha Mãe é Uma Vaca (Veneza 2024), O Acidente (Tallinn Black Nights 2022), Zona Árida (Dok Leipzig 2019), Cidades Fantasmas (Melhor Filme É Tudo Verdade 2017), Beira-Mar (Berlinale 2015), entre outros, e em séries de plataformas como Netflix e HBOMax.
Em 2021, ganhou o Prêmio Platino pela montagem de 7 Prisioneiros (Veneza e Toronto 2022); também montou e co-escreveu o roteiro de Música Para Quando As Luzes Se Apagam (premiado no Visions du Réel e Sheffield DocFest 2017) e de Sempre Partir (FID Marseille 2014).
Heranças culturais e suas marcas, afetivas ou estéticas

Germano de Oliveira não tem ascendência alemã, mas, ironicamente, herdou este nome de seu avô. De uma forma ou de outra, Bicho Monstro é sobre legados.
A forma como o realizador é chamado deriva do nome de um povo que habitava a região da Germânia, correspondente à atual Alemanha, e, portanto, também pode ser interpretado como “pertencente a esta tribo” ou “natural da Germânia”. A própria atriz Araci Esteves no debate em Gramado relatou que o diretor tem uma “paciência germânica”, brincando, sobre o trabalho no set.
O seu nome significa irmão, evocando a importância dos laços familiares, indica uma pessoa fraternal, carrega a conotação de ligação com as pessoas e a conexão com uma história regional. Também pode significar puro, genuíno, verdadeiro.
Pura, fraternal, afetiva, genuína e verdadeira tem sido a impressão dos espectadores do longa que têm identificação com as regiões de imigração alemã no Rio Grande do Sul. Natural de Estância Velha, com família em Novo Hamburgo, Ivoti e Dois Irmãos (reparem em outra coincidência no nome do município), Bruna Haas concorda que, como filme, Bicho Monstro se firma como um documento da história cultural dessa comunidade.
“Ele foi um abraço no meu eu criança, completamente”, afirma a jornalista e crítica de cinema nascida, criada e formada nessa região, herdeira da linhagem Maurer: “A minha bisavó, Carolina, era descendente de Jacobina”.
Inclusive, o longa inspirado na sua biografia, A paixão de Jacobina (Fabio Barreto, 2002), é outro documento histórico dessa região, pois ela era a líder religiosa da Revolta dos Muckers, no Morro Ferrabraz (Sapiranga).
Bruna avalia: “Na verdade, Bicho Monstro é uma representação de uma comunidade do Rio Grande do Sul. Então, como obra audiovisual, ela perpetua essa história. Assim como, por exemplo, a Cristiane Oliveira fez um recorte em Até que a música pare de uma região de imigração italiana, esse faz de uma região de imigração alemã com uma lenda muito conhecida e muito presente no imaginário dessas pessoas da região do Vale dos Sinos, da Encosta da Serra”.
Para a crítica, apesar de ser um longa gaúcho de baixo orçamento, consegue ser “precioso e preciso” em diversas questões de figurino e direção de arte. “Ele transpõe a gente que é dessa região para aquele espaço novamente. Então, por exemplo, as roupas utilizadas pela avó, as camisetas que a menina usa, as festas de igreja, as casas, aqueles sotaques, com aqueles vícios de linguagem… Tinham cenas ali que assisti, senti o cheiro daquilo que eu estava vendo, que são coisas muito particulares e que moram dentro de mim, que estavam transpostas numa tela. Bicho Monstro é muito importante para a filmografia do Rio Grande do Sul porque ele conta uma história, uma história que talvez quem não participou daquilo, quem não cresceu dentro daquilo, não conhece”, destaca.
A editora do site Vigília Nerd conta que o teatro da narrativa é parte de uma montagem que as crianças nas escolas de toda aquela região assistem quando estão na idade da menina protagonista. “Todo mundo já viu uma, duas, três vezes Carlos Alberto Klein, o Betinho (Matias), que é um dos atores ali que faz a parte de época, ele é muito conhecido na região. Então, é como se a gente conseguisse materializar e ter documentado essa parte da história. Para mim, a grandiosidade da produção é essa, de conseguir transpor pra tela, para um filme, um espacinho de uma comunidade pequena que faz parte da história do Rio Grande do Sul.”

Nascido em Campo Bom (RS), em 1988, Germano de Oliveira é montador, roteirista e diretor, formado em Realização Audiovisual (2011) pela Unisinos e com mestrado em Comunicação Social pela PUCRS (2015). “Minha família foi pra lá um pouco antes de eu nascer, não tem ascendência germânica. Mas eu cresci em meio a essa cultura, me sinto muito envolvido. Sempre tive um olhar de curiosidade sobre essas diversas questões, desde pequeno, quase uma coisa um pouco de detetive para descobrir essa história, não só ir atrás da lenda, mas de onde ela vem. Não é à toa que tem ali o botanista, que dá uma densidade para esse mito específico da história do Thiltapes.”
O cineasta residiu no Vale dos Sinos até os 20 e poucos anos. “A minha família ainda mora lá, então, eu volto bastante. É uma região que tenho um contato muito forte até hoje. Isso foi um facilitador para a própria pesquisa do filme. Desde o edital, em 2016, a ideia sempre era voltar muito para lá, ficando tempo lá, conhecendo ainda mais pessoas e mais histórias, tentando deixar isso afetar mesmo nosso roteiro, sim”, reflete.
“Primeiramente, trabalhei muito com a Marcela Bordin, ela trouxe essa questão do botanista. Lemos muitos textos da área para tentar fazer esse botanista fictício a partir desses escritos”, narra Germano.
O outro roteirista, Igor Verde, entrou um pouco depois no processo: “No momento de estruturação, ele tem uma experiência grande. Foi uma preocupação para a gente, escrevendo roteiro, e eu sempre também tive essa vontade, digamos, de pensar sempre essa história como uma história do Brasil e da América Latina, colocar um pouco as histórias da região nesse panorama brasileiro. Em várias coisas, na variação ali do idioma alemão que eles falam na região, sem muitas explicações. Trazer uma certa brasilidade para essa região, o olhar do botanista que está viajando pela América Latina e se depara com mais essa história. O filme como um possível documento do lugar era uma coisa que estava no nosso radar, sabendo que muitas outras fábulas e histórias podem ser contadas nessa região”.