Falar sobre o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) é falar sobre a luta por justiça social e sobre a permanente defesa dos Direitos Humanos, esses “direitos” que, embora muitas vezes vistos como distantes e elitistas, são, na verdade, filhos legítimos do Direito quando este é forçado a cumprir sua promessa de justiça.
Um episódio recente reforça essa tese. Em 2016, durante o conturbado período do impeachment da presidenta Dilma Rousseff, cerca de mil integrantes do MST ocuparam a Fazenda Esmeralda, localizada em Duartina (SP) e vinculada ao ex-presidente Michel Temer. A ocupação teve como objetivo denunciar o golpe misógino que então se desenhava no país. Anos depois, a fazenda voltou ao centro do debate jurídico e político.
Renê Neme Filho, criador de gado e associado ao endereço da referida fazenda, moveu uma ação contra João Pedro Stédile, uma das principais lideranças do MST, exigindo uma indenização de R$ 94 mil por danos morais. Alegava que, mesmo sem provas de participação direta de Stédile na ocupação, sua condição de fundador e dirigente nacional do MST seria suficiente para responsabilizá-lo. Em seu recurso, o autor afirmou que o MST, ao não possuir personalidade jurídica, protegeria seus bens de eventuais condenações e que Stédile, ao ser figura central no movimento, deveria responder pessoalmente pelos atos praticados pelos militantes.
O Tribunal de Justiça de São Paulo, no entanto, rejeitou essa tese. Em decisão proferida em 30 de julho de 2025 (Apelação Cível n° 0000409-51.2023.8.26.0169), o relator, desembargador Aliende Ribeiro, destacou a ausência de provas que ligassem diretamente Stédile à ocupação.
A decisão reafirma um princípio essencial: não há responsabilização sem provas concretas de participação. O juiz destacou que não basta o cargo de liderança em um movimento social para atribuir acusações por atos individuais ou coletivos, mas sim, é necessário comprovar a prática do ato ou culpa do réu.
Ainda que tenha sido reconhecida judicialmente a responsabilidade civil do MST e de entidades associadas, como a ANCA e a CONCRAB, a tentativa de estender essa responsabilização a Stédile fracassou. O autor não apresentou provas mínimas que indicassem a existência de gestão fraudulenta ou deliberada confusão entre os bens das entidades e de seus dirigentes.
Esse caso revela, com primor, como o Direito pode ser ferramenta de resistência diante de perseguições políticas e tentativas de silenciamento de movimentos populares.
Também evidencia o papel do Judiciário como guardião de garantias constitucionais, especialmente quando os réus são alvos de narrativas que buscam criminalizar a luta social e os sujeitos que a protagonizam.
Quando o Direito se faz resposta justa, ele deixa de ser apenas instrumento das elites e se torna escudo legítimo dos que lutam por dignidade. E é nisso que acreditamos: na força do Direito como possibilidade de transformação e de reparação. Não a qualquer custo, mas sempre com base no devido processo legal, na verdade dos fatos e na justiça das decisões.
*Adriana Dantas é educadora popular
**Ney Strozake é advogado e integrante do Setor de Direitos Humanos do MST
**Este é um artigo de opinião. A visão dos autores não necessariamente expressa a linha editorial do Brasil de Fato.