Algumas semanas atrás liguei a TV e, por acaso, parei em um programa que normalmente não assisto. Lá estava Fafá de Belém. Esperei pela sua apresentação e foi lindo, que apresentação! Ao cantar a música Vermelho (música de sua autoria, 1996), ela contagiou a todos. A emoção de vê-la cantar se misturava à sensação de justiça diante das derrotas recentes dos golpistas e extremistas deste país.
Enquanto de um lado se ouve o mantra desesperado: “defende meu pai, defende meu pai, meu pai é inocente”, do outro ecoa a pergunta vibrante: “Que cor? Que cor? Que cor?” e a resposta vem carregada de esperança!
A explosão de alegria da militância, nas ruas, internet e conversas, em especial das pessoas LGBTQIA+, da juventude negra, mulheres, dos povos indígenas, diante das últimas derrotas impostas à extrema direita, representada pela família Bolsonaro, nos encheu de energia e nos deu, sim, vontade de comemorar.
Mas, em meio a essa euforia, meu amigo Fernando Fernandes trouxe uma reflexão importante: a ideia de que não se deve comemorar a derrota ou a morte do inimigo, pois isso pode “ofender” ou entristecer aquilo que é considerado princípio sagrado, divino, originário: o Ori.
- Ori, na tradição iorubá, é a “cabeça espiritual”, a essência individual, o destino escolhido antes do nascimento. É ainda mais sagrado que os próprios Orixás, pois representa a ligação única de cada pessoa com o divino.
- Comemorar o sofrimento alheio, mesmo de um inimigo, pode macular o próprio Ori, trazendo desequilíbrio e consequências negativas.
- Há um provérbio iorubá que diz: “Orí burúkú kì í gbà ìré”, que significa: uma cabeça má não recebe bênção. Ou seja, nutrir sentimentos baixos contra outros impede que nosso próprio destino receba coisas boas.
Essa sabedoria aparece também em outras tradições:
- Na Bíblia (Provérbios 24:17-18): “Quando cair o teu inimigo, não te alegres… para que o Senhor não veja isso e se desagrade.”
- No Budismo e no Hinduísmo, alimentar ódio ou alegria pela desgraça alheia gera mau carma.
Bom, reflexão feita. Mas justiça também! E como gosto de bons conselhos, digo: alegremo-nos, sim, com a justiça. Mas que nossos pés estejam bem fincados no chão, pois os inimigos nunca dormem, nunca se entristecem. Apenas fingem, e fingem muito bem.
Então, que a gente se alegre não pela queda, mas pelo passo adiante.
Que a vitória seja dança, não vingança.
E que a cor que acende nossa esperança seja farol, não ferida.
Axé, amém e alegria!
*Adriana Dantas é educadora popular
**Este é um artigo de opinião. A visão da autora não necessariamente expressa a linha editorial do Brasil de Fato DF.