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Mulheres na política: cuidar, trabalhar, lutar e transformar

A garantia de condições para a participação política das mulheres não pode ser tratada como uma questão secundária.

O 8 de março é um marco da luta das mulheres, mas nossas reivindicações precisam ir além da data. No Brasil, a desigualdade de gênero no trabalho, na renda e na divisão das tarefas domésticas não é um problema individual, mas uma característica fundamental da exploração capitalista. 

A mulher trabalhadora não apenas recebe 22% menos do que os homens para exercer o mesmo cargo (PNAD Contínua, 2019, IBGE), mas também enfrenta taxas de informalidade 47% maiores, sendo empurrada para empregos precários, sem direitos ou estabilidade.

Além disso, a maternidade funciona como um mecanismo de penalização da mulher no mercado de trabalho. As mães ganham, em média, 25% menos do que as mulheres sem filhos, e a responsabilidade do cuidado com os filhos recai quase exclusivamente sobre elas. 

Esse cenário evidencia como o capitalismo super explora a força de trabalho feminina, desvalorizando-a, e, ao mesmo tempo, se apoiando no trabalho não remunerado da mulher para garantir sua reprodução.

O debate sobre trabalho produtivo e reprodutivo pautou por anos a luta feminista. Durante o pós guerra, grande parte do movimento feminista acreditava que o “trabalho por si só” levaria as mulheres à libertação. 

A história mostrou que a nossa inserção no mercado de trabalho formal não nos livrou do trabalho reprodutivo e apenas acumulamos trabalhos em jornadas duplas, triplas e atravessadas pelas responsabilidades do cuidado.

Como apontou Federici (2019), a desvalorização do trabalho reprodutivo é um dos pilares da acumulação do capital e da exploração capitalista sobre as mulheres. A economia se sustenta pela combinação do trabalho produtivo e da reprodução da vida: cuidar dos filhos, cozinhar, limpar e garantir o bem-estar familiar. 

A ausência de políticas públicas reforça a sobrecarga e a superexploração da força de trabalho feminina. No Brasil, 65% das crianças de até 3 anos não têm acesso a creches públicas, o que obriga muitas mulheres a abrir mão de empregos formais para se dedicar ao cuidado infantil.

No caso das mulheres negras e periféricas, a realidade é ainda mais brutal: trabalham em média 21 horas semanais em tarefas domésticas, enquanto os homens gastam apenas 10 horas (PNAD Contínua, 2022, IBGE). 

Isso significa que, além da jornada exaustiva no trabalho remunerado, elas dedicam o dobro do tempo ao trabalho doméstico. A tripla jornada não é uma opção, mas uma imposição social e econômica.

Maternidade e militância: a exclusão política das mães

Ausência de tempo, de salário digno, de políticas públicas de cuidado e de rede de apoio compõem o cenário quase intransponível para a participação política das mulheres e das mães. 

Como se não bastassem tantos obstáculos, a política e o movimento sindical ainda não incorporaram a realidade da mulher trabalhadora. A falta de creches, monitores, os horários exaustivos das reuniões e a ausência de um debate profundo sobre o impacto do trabalho reprodutivo tornam a militância um espaço frequentemente excludente para mulheres e mães trabalhadoras.

Se entendemos que a reprodução da vida, a educação de crianças e o cuidado das pessoas vulnerabilizadas é uma responsabilidade social, precisamos preparar nossos espaços de militância a partir dessa perspectiva.  A maternidade e o cuidado não podem continuar sendo obstáculo para a ação política de companheiras. 

Portanto, a garantia de condições para a participação das mulheres não pode ser tratada como uma questão secundária, mas como um elemento central da organização da luta de classes.

Em tempos de neoliberalismo, precisamos afirmar o óbvio: não basta “empoderamento individual”, nem “uma de nós no topo”. O feminismo liberal sugere que basta as mulheres ‘se esforçarem mais’ para conquistar seu espaço. Mas a realidade concreta mostra que a superexploração do trabalho produtivo e reprodutivo feminino não pode ser resolvida com ascensões individuais. O que precisamos é de lutas coletivas e populares, pautadas em reivindicações estruturais, como:

  • Trabalho do cuidado remunerado e contabilizado para garantia de direitos sociais como aposentadoria; 
  • Direito a creches públicas com horários estendidos e acessíveis, permitindo que as mulheres possam trabalhar, viver e militar; 
  • Ampliação da licença parental e equiparação da responsabilidade pelo cuidado; 
  • Valorização e regulamentação do trabalho doméstico e de cuidado, protegendo as trabalhadoras informais e precarizadas; 
  • Políticas afirmativas de igualdade salarial, garantindo que mulheres e mães tenham os mesmos direitos e salários que os homens no mercado de trabalho.

Somos mais da metade da população. Somos a força invisível do cuidado que garante a transformação de crianças em classe trabalhadora. Somos parte significativa da mão de obra produtiva. Somos a base reprodutiva de toda a sociedade. 

A luta feminista precisa estar enraizada na vida concreta das mulheres. Precisamos construir uma esquerda capaz de dar respostas reais às trabalhadoras e isso tem que ser um compromisso inegociável. Afinal, sem transformar a condição da mulher trabalhadora, não há horizonte socialista possível.

Adriana Souza é a vereadora eleita mais bem votada de Contagem (MG), professora de História, ativista socioambiental do SOS Vargem das Flores e fundadora do coletivo Com Elas

Leia outros artigos de Adriana Souza em sua coluna no Brasil de Fato MG

Este é um artigo de opinião. A visão da autora não necessariamente expressa a linha editorial do jornal

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