O tempo é o bem mais precioso da vida. Como nos ensinou Antônio Cândido, tempo não é dinheiro, é o tecido das nossas vidas. E numa sociedade marcada pela desigualdade, ele é um dos bens mais mal distribuídos.
Enquanto uma minoria acumula tempo livre, milhões de trabalhadores vivem na lógica da sobrevivência: jornadas longas, folgas escassas, múltiplos empregos e trabalhos. É nesse contexto que volta à tona uma bandeira urgente e necessária: o fim da escala 6×1 e a redução da jornada de trabalho sem redução de salário.
Essa não é apenas uma pauta trabalhista. É uma luta por dignidade, por saúde mental, por tempo de vida com sentido.
E é também uma chave para a reorganização política da esquerda e para a reaproximação com as bases populares que deram origem ao Partido dos Trabalhadores. É uma luta que reconecta a luta política às demandas de quem vive do trabalho. Uma bandeira de esperança por dias melhores!
A escala 6×1 como símbolo da sociedade da exaustão
A escala 6×1 — seis dias trabalhados para um de folga — ainda é a realidade de milhões de brasileiras e brasileiros, sobretudo no setor do comércio, dos serviços e nas funções essenciais. Essa lógica, que parece naturalizada é, na verdade, uma herança da exploração estrutural: exige corpos disponíveis o tempo inteiro, ignora necessidades básicas de descanso e rompe vínculos familiares e comunitários.
Não por acaso, vivemos o aumento de transtornos mentais ligados ao trabalho. O filósofo sul-coreano Byung-Chul Han chamou isso de “sociedade do cansaço”: uma era onde somos explorados não só no corpo, mas também na mente, no afeto, no tempo. Combater a escala 6×1 é, portanto, romper com esse modelo de sociedade. É afirmar que o trabalho deve servir à vida — e não o contrário.
Fui trabalhadora de shopping e telemarketing na jornada 6×1. Durante 5 anos da minha vida, eu estudava, trabalhava exaustivamente, cuidava do meu primeiro filho e afirmo com propriedade: foram anos de sobrevivência, de adoecimento e de ausências na vida familiar e comunitária. Precisamos parar de normalizar a exaustão.
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A tradição de luta pela redução da jornada da classe trabalhadora e do PT
Desde o século XIX, trabalhadores organizados enfrentaram repressão para conquistar jornadas mais humanas. No Brasil, as primeiras vitórias vieram com a Constituição de 1934 e a CLT de 1943, que definiu a jornada de 48h semanais, rompendo com as jornadas de 12h, 14h diárias. Na Constituição de 1988 tivemos a redução da jornada para 44 horas semanais — um marco da redemocratização.
A luta pela redução para 40 horas, ou ainda 36 horas semanais, não é novidade. É uma bandeira da CUT, dos sindicatos combativos e da tradição petista. Essa pauta precisa retornar ao centro do debate nacional — como parte de um novo projeto de país e de vida para quem vive do trabalho.
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Essa é uma pauta que nos reconecta com nossa origem: o chão de fábrica, os sindicatos, os serviços essenciais. Retomar o trabalho como centro da política petista é recolocar o partido em sintonia com as urgências do povo. E pode ser o fio para reconectar com a juventude precarizada, com a massa de trabalhadores por aplicativos e com as mulheres sobrecarregadas – que almejam há séculos o reconhecimento do trabalho doméstico e do cuidado enquanto trabalho que garanta remuneração, reconhecimento e direitos.
Conectar a luta: das redes às ruas, do parlamento ao território, do partido aos postos de trabalho
Audiências públicas, plenárias populares, mobilizações nas ruas e nas redes. Essa luta precisa estar nos bairros, nas Câmaras Municipais, nos coletivos juvenis. Em Contagem, nosso mandato já se coloca à disposição para construir esse caminho, junto ao Conselho Político, aos movimentos e aos sindicatos da cidade.
Realizamos no dia 7 de maio, na Câmara de Contagem, uma Audiência Pública histórica sobre a redução da jornada de trabalho e o fim da escala 6×1 em parceria com o Sindicato dos Metalúrgicos de BH/Contagem e com o movimento Vida Além do Trabalho (VAT).
Com a presença de mais de 200 pessoas, 16 sindicatos, 3 centrais sindicais, movimentos sociais, representantes do governo da prefeita Marília, mandatos parceiros de Contagem; de BH (Luiza Dulci, Bruno Pedralva) de Pedro Leopoldo (Gael Silveira), de deputados federais e lideranças nacionais do partido, mostramos que essa luta é coletiva, urgente e profundamente necessária.
O tamanho e representatividade dessa audiência pública demonstra a força e universalidade dessa bandeira, que une homens e mulheres, jovens, adultos e idosos, especialmente entre as maiorias sociais que vivem do suor do próprio trabalho. Portanto, é nossa tarefa aprofundar o debate, ampliar a mobilização e construir uma vitória histórica para a maioria dos trabalhadores formais deste país.
O Brasil está pronto para trabalhar menos
Esse é o nome da Nota Técnica nº 13 do Transforma/UNICAMP, assinada por Marilane Teixeira, Clara Saliba, Caroline Lima de Oliveira e Lilia Bombo Alsisi, que conclui que o Brasil tem condições objetivas de reduzir a jornada de trabalho.
A PEC 08/2025 atinge diretamente 37% dos trabalhadores formais. O estudo revela que a escala 6×1 está ligada a altos índices de insatisfação e adoecimento. Segundo a pesquisa, mais de 470 mil afastamentos por transtornos mentais foram registrados em 2024 — o maior número em uma década e 68% maior que o número registrado em 2023.
A proposta de redução da jornada redistribui tempo e renda, com impactos particularmente positivos para as mulheres e os trabalhadores negros, que compõem as bases mais precarizadas do mercado de trabalho. Recomendo a leitura da nota técnica para que toda a militância possa estar embasada para os debates nas ruas.
Essa é uma luta que exige coragem, imaginação política e enraizamento popular. O pronunciamento do Presidente Lula foi fundamental para dar horizonte de vitória pra essa luta, contudo só haverá conquista real se transformarmos esse debate em força social.
Precisamos lembrar que o tempo também é território de disputa. A retomada da esperança passa pela reconquista do tempo. Tempo para descansar. Tempo para sonhar. Tempo para viver com dignidade. Tempo para esperançar. E é nesse tempo, conquistado com luta e esperança, que reconstruiremos o Brasil e as cidades que queremos.
Vamos ampliar a luta por um modelo de trabalho em que a vida esteja acima do lucro!
Adriana Souza é militante, mãe, professora de história, vereadora mais votada de Contagem e vice-líder do governo da Prefeita Marília Campos.
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Leia outros artigos de Adriana Souza em sua coluna no Brasil de Fato MG
Este é um artigo de opinião. A visão da autora não necessariamente expressa a linha editorial do jornal