Neste mês de agosto, Brasília sediou a 1ª Conferência Nacional das Mulheres Indígenas e a 4ª Marcha das Mulheres Indígenas, em que participaram mais de cinco mil mulheres indígenas, vindas de todas as regiões do país
Ao final dos eventos, precedidos por etapas regionais realizadas nos seis biomas brasileiros, foi consolidada a carta “Nosso corpo é território! Somos as guardiãs do planeta pela cura da terra!”, com 49 propostas prioritárias para que o Estado adote medidas concretas na criação de políticas públicas específicas para mulheres indígenas. Embora projetos de lei recentes reconheçam a necessidade de incluir essas mulheres em políticas e agravantes penais, ainda há demora em sua tramitação e implementação. A carta final foi lida na 4ª Marcha das Mulheres Indígenas e entregue pelas próprias lideranças ao presidente Lula.
O combate à violência contra mulheres e meninas indígenas é uma das pautas centrais do movimento. Entre 2003 e 2022, os casos de feminicídio de mulheres e adolescentes indígenas aumentaram 500%, sendo as vítimas em sua maioria jovens, solteiras, com baixa escolaridade e vivendo em contextos de isolamento, discriminação e falta de acesso à rede de proteção.
Por anos, as mulheres indígenas têm se posicionado contra o Marco Temporal, e, pela proteção cultural, ambiental e social. Atualmente, se mobilizam contra o PL da Devastação (Projeto de Lei 2159/2021), considerado o maior ataque à legislação ambiental dos últimos 40 anos. A proposta desmonta o licenciamento ambiental, facilitando crimes que afetam diretamente as comunidades indígenas — não apenas degradando a floresta, mas comprometendo o acesso à água, a produção de alimentos e ao modo de vida tradicional.
No encerramento da mobilização, em 8 de agosto, o presidente Lula sancionou o texto do PL com veto a 53 artigos. A partir da luta popular, direitos se mantiveram preservados. Foram barrados pontos que ameaçavam diretamente os povos indígenas, como a Licença por Adesão e Compromisso (LAE) para projetos de médio porte, e dispositivos que restringiam a consulta prévia a territórios já titulados ou homologados. Apesar da importância dessas medidas, o risco permanece, pois o Congresso ainda pode derrubar os vetos.
No que se refere à educação superior, a Lei de Cotas e os programas de apoio estudantil foram avanços para estudantes indígenas, no entanto, a permanência de mulheres indígenas na universidade ainda enfrenta barreiras estruturais: falta de moradia estudantil adequada, recursos insuficientes para alimentação, transporte e materiais, além da ausência de políticas específicas para mães indígenas.
Na Universidade de Brasília (UnB), onde atualmente estudam 258 indígenas, a presença das mulheres é resultado de resistência e luta coletiva. A trajetória de Alcineide Piratapuya, nascida na comunidade de Iauaretê, no Alto Rio Negro (AM), ilustra essa conquista: primeira indígena a se formar em Relações Internacionais pela UnB, superou desafios geográficos, culturais e institucionais para acessar a educação pública de qualidade, tornando-se referência para jovens indígenas. Sua história mostra que garantir acesso não basta — é preciso assegurar condições plenas para permanência e conclusão dos estudos.
É urgente ampliar vagas para mulheres indígenas na graduação e pós-graduação, criar editais culturais específicos e valorizar suas histórias e saberes nos currículos.
Para a Associação dos Docentes da Universidade de Brasília – Seção Sindical do ANDES-SN (ADUnB – S.Sind), a Conferência e a Marcha reafirmam a urgência de garantir os direitos das mulheres indígenas, tanto nos territórios quanto nas universidades. É imprescindível que o governo federal atenda às reivindicações apresentadas, por meio de um trabalho interministerial que assegure não apenas a permanência das estudantes indígenas na UnB, mas também políticas efetivas para proteger seus corpos, territórios e saberes.
**Este é um artigo de opinião. A visão da autora não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato – DF.