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Ana Penido é pós-doutorada em ciência politica pela Unicamp, pesquisadora do Grupo de Estudos em Defesa e Segurança Internacional (Gedes – Unicamp) e do Instituto Tricontinental de Pesquisa Social.ver mais

Conjuntura internacional e doméstica pressiona participação na política de defesa

Ao invés de proceder uma revisão burocrática de documentos, construirmos um grande e amplo processo de educação em defesa

Em 28 de julho de 2025, a Associação Brasileira de Estudos de Defesa (ABED) foi convidada para abrir um evento organizado na Escola Superior de Guerra (ESG) com o objetivo de recolher contribuições da sociedade civil para o início do processo quadrienal de revisão dos documentos brasileiros de defesa.

A ABED tem como prioridade estratégica para a atual diretoria a democratização da política de defesa, motivo pelo qual tem se engajado na construção do 1º Fórum Brasileiro de Defesa Nacional. Este objetivo geral orientou a fala da representante da associação no evento, a colunista que vos fala. Para contribuir com a democratização das informações para os associados da ABED, para a sociedade em geral, e para os meus leitores em particular, abaixo segue a apresentação feita oralmente. Seguimos abertos à batalha das ideias!

Bom dia! Cumprimento o General Catanhede e, na pessoa dele, os demais presentes, fazendo uma menção especial ao meu antigo colega de mestrado, o fuzileiro Pedro Fonseca, que trabalhava aqui na ESG e faleceu durante a pandemia.

Inicialmente, me apresento: sou professora do Instituto de Relações Internacionais e Defesa da UFRJ (IRID-UFRJ) e pesquisadora do Grupo de Estudos em Defesa e Segurança Internacional, o GEDES. Represento a presidenta da ABED, também professora do IRID, Adriana Marques, impedida de participar no dia de hoje, mas que enviou lembranças. 

Os processos de revisão dos documentos são pensados enquanto um momento para recolher diferentes insights de grupos da academia e plasmar as sínteses possíveis nos documentos previamente elaborados. Revisões quase burocráticas. Por outro lado, chamo a atenção para a grande oportunidade da prática de educação em defesa, junto à sociedade de maneira geral, num processo de escuta amplo a cada quatro anos. Essa dimensão está presente nos atuais documentos de maneira abstrata – atrair civis para os estudos de defesa. Mas ela pode ganhar concretude, aproximando não apenas intelectuais, mas a sociedade em geral, para a reflexão sobre a política de defesa, educando politicamente o cidadão comum sobre as múltiplas dimensões através das quais a política de defesa atravessa a sua vida, como a maneira que ele usa o celular, como se desloca pela cidade… 

Para educar a população em defesa, somos ajudados pela conjuntura, e vou prosseguir com três sugestões de conteúdo e uma de forma. Quanto ao conteúdo, a primeira questão é o enorme crescimento (quantificado em artigos e por observatórios) da cobertura de imprensa sobre os temas que dizem respeito à paz e à guerra, incluindo a relação das forças armadas com a política, o que tende a impactar na opinião pública em geral. Essa movimentação decorre de uma conjuntura internacional que colocou temas como a guerra na Ucrânia e o genocídio na Palestina entre as principais pautas discutidas pelas pessoas, não em termos técnicos, ou de equipamentos, mas há uma busca por informar-se e por identificar os reflexos no Brasil e para eles mesmos desses acontecimentos. E, nesse sentido, é fundamental deixar clara a posição brasileira histórica em defesa da paz. Não nos ajuda a emergência de conflitos internacionais, e isso deve estar claro nos nossos documentos: a defesa da paz.

A segunda questão de conteúdo pertinente é a defesa da democracia. Segue em pauta o debate sobre a despolitização das forças armadas, sob múltiplas oportunidades. Discussões sobre reformas nas forças armadas são impossíveis sem um debate sério sobre política e estratégia de defesa, que passa pelo desenho do cenário geopolítico global, pela estratégia de inserção brasileira no ambiente internacional, pela política de defesa necessária para o suporte a ela, e só então sobre o desenho das forças armadas. Dessa maneira, mais do que as discussões que surgem na imprensa que dizem respeito aos julgamentos no STF, temos a oportunidade de debater a política de defesa de um Brasil democrático e que almeja maior protagonismo no cenário global. Essas discussões são possíveis não apenas com acadêmicos, mas com a sociedade.

A terceira dimensão de conteúdo é a defesa da soberania, uma palavra meio esquecida e que retomou absoluta centralidade com os ataques de Trump na agenda do governo e nas discussões da população. Temas como a multipolaridade, por vezes aparentando ser excessivamente teóricos, ganham uma dimensão prática, forçando o alinhamento de políticas na área econômica e militar, por vezes fragmentadas. Nossos parceiros estratégicos precisam ser os mesmos nas múltiplas áreas de relacionamento. 

Existem muitos outros temas, e cada acadêmico elege alguns e se posiciona de maneira distinta em torno deles, pois a riqueza maior da universidade é a sua diversidade. Mas acredito que esses três temas possam servir como guias gerais no diálogo com a população sobre a política de defesa.

Passemos, então, a um comentário de método. Se Ernest Renan está correto, e a nação é um plebiscito de todos os dias, a construção nacional implica no engajamento político cotidiano. Por isso, precisamos criar as oportunidades para o engajamento mais amplo na área de defesa, o que tem como contrapartida a responsabilização coletiva, pois quem participa da formulação de uma política se torna corresponsável pelo seu êxito e fracasso.

A segurança internacional passou por duas ampliações. A primeira diz respeito ao que pode nos ameaçar, para além das ameaças estatais. A segunda trata do que pode ser objeto de ameaça, securitizando temas como saúde ou meio ambiente. A terceira ampliação necessária, e ainda por fazer, é a de quem defende. Outros processos de revisão dos documentos de defesa foram bastante criticados quanto à amplitude da participação “permitida” para alguns acadêmicos, a descontinuidade de iniciativas de consulta, a falta de devolutivas sobre as contribuições – foram ou não absorvidas, e por quê?

Precisamos avançar na institucionalização da participação na política de defesa, algo que vem acontecendo, por exemplo, na política nacional de cibersegurança e na política externa brasileira. É necessário um grupo de trabalho permanente que acompanhe a elaboração da política, composto pelos ministérios afins, por organizações acadêmicas, por organizações da sociedade civil, pela indústria, escolhidos pelos seus pares através de edital. Um grupo de trabalho com cronograma e metas possíveis de serem mensuradas e acompanhadas, com poder para organizar atividades ampliadas de consulta por meios físicos ou digitais.

A ABED tem se comprometido com isso através da transformação do último dia dos seus encontros regionais e nacional em um Fórum de Defesa Nacional, aberto a participação a sociedade civil. Os encontros já reuniam civis e militares acadêmicos interessados em defesa e temas afins, com distintos níveis de formação. Agora, pretende-se ampliar a participação de outros segmentos da sociedade civil, na lógica da educação para a defesa que abriu esta exposição. O principal material de subsídio para este momento são os atuais documentos orientadores de defesa nacional, mas temos espaço para a reflexão ampliada sobre questões como “o que deve ser objeto de defesa?”, “você identifica alguma ameaça ao Brasil e a você?” Com isso, pretendemos contribuir para esse esforço que entendemos que deveria ser mais geral de democratização das reflexões sobre defesa no Brasil.

Concluo convidando os senhores para a participação nos eventos, colocando a ABED a disposição para a construção da nova rodada de revisão dos documentos de defesa nacionais e provocando para que observemos a grande oportunidade política que a conjuntura internacional e doméstica nos oferece para, ao invés de proceder uma revisão burocrática de documentos, construirmos um grande e amplo processo de educação em defesa. 

A participação social é ferramenta imprescindível para a construção de um projeto político soberano, democrático e de paz para o Brasil e para os povos.

*Ana Penido é pós-doutorada em ciência politica pela Unicamp, pesquisadora do Grupo de Estudos em Defesa e Segurança Internacional (Gedes – Unicamp) e do Instituto Tricontinental de Pesquisa Social.

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