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Andreia de Lima é liderança no bairro Parolin, Promotora Legal Popular e foi candidata à deputada estadual em 2022 pelo Partido dos Trabalhadores (...

Mulheres em resistência

Sim, temos que pensar em tudo, muitas vezes sem estrutura nenhuma

Eu sou Andreia de Lima, a nova colunista do jornal Brasil de Fato. Nas edições, vamos abordar todos os temas que são prioridades dentro das comunidades periféricas. Esta coluna não será escrita somente por mim, será escrita com outras mulheres, com outras pessoas das comunidades.

Em nosso território tudo é prioridade, em conversa com as mulheres escolhemos alguns temas como, violência doméstica, trabalho, saúde, educação, lazer, cultura, meio ambiente, lembrando que a cada momento a prioridade pode mudar. A pauta dessa primeira coluna será sobre saúde mental, pois precisamos estar bem pra que consigamos viver bem.

Quando buscamos atendimento na Unidade Básica de Saúde, já na entrada percebemos que faltam servidores, que o mato ao redor do equipamento publico toma conta, que o espaço não comporta os usuários atendidos naquele equipamento, que falta empatia dos servidores (ninguém vai ao médico por lazer, se procuramos é porque nos faltam saúde física, ou mesmo estamos no limite do esgotamento mental), não vamos em busca de atestado médico, até porque em casa trabalhamos duas vezes mais.

Quem cuida dos servidores da saúde pública se muitos estão sobre carregados ou mesmo adoecidos pela falta de cuidado dos gestores? Faltam equipes de enfermagem, atendimento na farmácia demora mais que o atendimento médico, tempo de espera até duas ou três horas só para pegar a medicação. A falta de profissionais e paciência dos servidores já nos adoecem na fila antes mesmo da abordagem para pegar senha para consulta. Atendimentos por meio de aplicativo Saúde Já é uma tortura, nem todas as pessoas têm acesso sempre à internet. Como conseguir então agendar consulta? Isso se houver um aparelho celular que comporte o aplicativo ou mesmo dados móveis, ou internet para tal uso. Precisamos manter a nossa saúde mental em dia. Mas, como?

Vamos falar sobre educação de nossas crianças e jovens, enquanto estamos no trabalho, se nossas crianças passam mal é a mãe a ser chamada para pegar seu filho e levar até “postinho ou UPA”. Sim, precisamos pedir licença no trabalho, sabemos que criança tem a saúde mais frágil, mas o patrão não quer saber qual a gravidade da situação. Para ele, o que importa é bater a meta. Sabemos que no final do mês o desconto chega, a preocupação em ter que comprar medicação, atender filho doente, também nos adoece. Como fica a cabeça de uma mãe, quando as escolas e cmeis entram em greve? Quando há paralisação dos professores é direito deles exigirem melhorias para classe trabalhadora. Sim temos que pensar em tudo, muitas vezes sem estrutura nenhuma, sem apoio de familiares, pois muitos estão na mesma situação de esgotamento mental com tantas demandas e dificuldades diárias.

Quando é que sobra tempo para essas mulheres periféricas cuidarem de si? Se todo tempo filhos, companheiros, familiares, empregos nos tomam a maioria de nossa vida.

Aqui entre algumas mulheres nos reunimos para debater causos ocorridos durante a semana, usamos grupos de whats, ou marcamos almoços na casa de algumas sempre fazendo rodízios nas casas, para podermos dizer que saímos de casa, são estes momentos que falamos das dificuldades, dos prazeres da vida, cantamos, bebemos cerveja, suco ou água, depende do gosto de cada uma, mas, sempre nos ouvimos. Ouvir a outra é a melhor terapia pra quem pouco tempo tem para auto-cuidado. Mas a maioria dessas mulheres tem os mesmos problemas ou muito semelhantes.

Uma das demandas que tiram o sono e aumenta a pressão psicológica dessas mães, são quando seus filhos, maioria pretos e pobres, são“ abordados” pela segurança pública, geralmente de forma truculenta e violenta, deixam marcas nos corpos e no psicológico não somente do jovem mas também da família. A falta de oportunidade em conseguir um bom trabalho, quando após todo processo seletivo a empresa diz que a vaga foi preenchida e sabemos bem que o racismo estrutural está impregnado quando apresentam comprovante de residência, sim, muitas vezes não conseguem a vaga, pois moram na favela.

Essa, entre outras, é o que adoece uma mãe de família, a dona do lar, prioridade para essas mulheres são seus filhos, irmãos, familiares e amigos, como essa mulher dá conta de tudo isso sem adoecer? Como está o psicológico dessa mulher?

Não me venham com a história de que mulheres pobres são guerreiras, nós só não temos que guerrear como também obter vitórias e vencer machismo, patriarcado e o desprezos de muitos gestores públicos na falta de um olhar com respeito por nossas vidas.

Temos dignidade e não permitimos que nos tirem isso, sonhamos e buscamos dias melhores, não é só não largando a mão de ninguém, mas socorrendo a todes mesmo não estando tão bem. Pois a favela é nós por nós, somos um elo só, dividimos água, luz, comida, gás e multiplicamos apoio emocional a quem precisar. Pois, amanha pode ser eu a precisar de uma dessas mulheres que vencem todos os dias.

 

*Andreia de Lima é liderança popular no bairro Parolin, Promotora Legal Popular e foi candidata à deputada estadual em 2022 pelo Partido dos Trabalhadores.

**As opiniões expressas nesse texto não representam necessariamente a posição do jornal Brasil de Fato.

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