A decisão do governo Javier Milei de retirar a Argentina da Organização Mundial da Saúde (OMS) é mais do que um gesto político. É um movimento carregado de simbolismo anticiência, que coloca em risco não só a população argentina, mas a construção de consensos globais que salvam vidas.
A alegação oficial de “divergências profundas” com as diretrizes da OMS revela uma narrativa oportunamente construída, como foi a dos Estados Unidos com Trump. Ela surge no bojo de um governo que flerta com o negacionismo, revisa contratos de vacinas e deslegitima a cooperação internacional em saúde. Como pano de fundo, temos a visita de Robert Kennedy Jr., ministro estadunidense, conhecido por sua militância antivacina.
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O negacionismo sanitário não mata por acaso – mata por projeto
A OMS, com todas as suas limitações, tem sido fundamental na coordenação de respostas globais contra doenças infecciosas, nos esforços para o acesso equitativo a vacinas e na formulação de protocolos de emergência. A saída de um país membro mina essa capacidade e envia uma mensagem perigosa: a de que a saúde pode ser tratada como moeda política em guerras culturais.
Os ultraliberais falam em combater o “aparelhamento ideológico”. Mas, na saúde, soberania não é isolamento. Nenhum país enfrenta sozinho doenças que atravessam fronteiras. E quem mais paga essa conta são sempre os mais vulneráveis, como crianças, idosos e doentes crônicos.
A decisão no país vizinho também serve de alerta ao Brasil. O avanço de discursos negacionistas por aqui precisa ser enfrentado com firmeza. O caso argentino mostra até onde um governo disposto a romper pactos civilizatórios pode chegar. É preciso lembrar que a destruição das instituições nem sempre vem com tanques.
Por isso, defender a OMS é, sim, um gesto político. Assim como é defender o SUS, a vacinação para todos e a solidariedade entre os povos. A saída da Argentina não pode ser vista com indiferença. É um sinal de que estamos diante de algo maior do que parece – e exige resposta.