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Aristóteles Cardona é médico de família no sertão pernambucano e professor da Universidade Federal do Vale do São Francisco

Mentiras de Trump sobre paracetamol prejudicam pacientes, grávidas e autistas

Ao transformar hipóteses frágeis em certezas absolutas, Trump espalha medo sem fundamento, alimenta inseguranças e dá munição para fake news

No início desta semana, Donald Trump voltou ao centro das atenções internacionais ao afirmar que o uso de paracetamol durante a gravidez estaria ligado ao autismo. A declaração foi feita em coletiva de imprensa, acompanhada pelo secretário de Saúde dos Estados Unidos, Robert F. Kennedy Jr., e rapidamente repercutiu pelo mundo.

É preciso ser direto: não há comprovação científica de que o paracetamol cause autismo. Esse é um dos medicamentos mais utilizados em todo o planeta para febre e dor, prescrito há décadas em diferentes contextos e faixas etárias. Algumas pesquisas já levantaram a hipótese de que poderia existir uma correlação entre o uso do remédio na gestação e um aumento do risco de transtornos do espectro autista. Mas correlação não é sinônimo de causalidade.

A diferença é fundamental. Correlação significa apenas que duas coisas acontecem juntas com certa frequência. Por exemplo: em determinados períodos do ano, aumenta tanto o consumo de sorvete quanto a quantidade de pessoas que vão à praia. Há uma correlação, mas não quer dizer que tomar sorvete leve alguém à praia. Já causalidade é outra história: indica que uma coisa provoca a outra. No caso do paracetamol, as evidências atuais não mostram essa relação de causa e efeito. Quando pesquisadores controlam fatores genéticos e ambientais, a suposta ligação desaparece.

Por isso, ao transformar hipóteses frágeis em certezas absolutas, Trump não apenas erra. Ele espalha medo sem fundamento, alimenta inseguranças e dá munição para o terreno fértil das fake news.

E aqui está outro ponto central. Fake news não é inofensiva. Ela prejudica tratamentos, mina a confiança da população em medicamentos e vacinas e ainda faz com que profissionais de saúde e comunicadores sérios percam tempo precioso tentando desmentir mentiras em vez de avançar no debate sobre soluções reais.

Quando uma figura política de peso fala sem responsabilidade, o dano é ainda maior. Porque não se trata apenas de opinião pessoal. Ao insinuar que um remédio seguro pode causar autismo, Trump ajuda a criar pânico entre gestantes e famílias, ao mesmo tempo em que desvia a atenção das pesquisas sérias que buscam compreender melhor o autismo em toda sua complexidade.

Autismo é uma condição multifatorial, que envolve aspectos genéticos e ambientais e que exige políticas públicas de inclusão, apoio e respeito. Reduzir isso a uma narrativa simplista é desinformar e, em última análise, desumanizar.

A luta contra as fake news em saúde é também uma luta pela vida. Não podemos normalizar esse tipo de discurso. É preciso reafirmar todos os dias que informação correta protege. E que mentira adoece.