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Jornalista, trabalhou, entre outros, em veículos como Estadão, Veja, Jornal da Tarde e Agência Estado. Documentarista da questão da terra, autor de livros, entre os quais "Os Vencedores" (Geração E...ver mais

Europa adota comportamento de 51º estado dos EUA

Falta alguém, de esquerda ou direita, para dizer o óbvio: é preciso parar com a guerra

Muitas vozes já pediram a abertura de negociações de paz na guerra da Ucrânia. Até os beligerantes, Rússia e Ucrânia, falaram em paz. Mas um dos dados mais impressionantes – e menos registrados na mídia ocidental – é o fato de que existe uma ausência notável nesse coro: a dos Estados Unidos da América. Algo que torna translúcidos os verdadeiros interesses perseguidos pela Casa Branca no conflito, no qual está disposto a lutar até o último ucraniano. 

Outro espanto é o comportamento suicida da outrora poderosa Europa. O alinhamento canino a Washington na alimentação da guerra fará o continente pagar um preço brutal. Pela primeira vez em 20 anos, o euro recuou ao mesmo valor do dólar. A inflação na Zona do Euro decola para um percentual nunca antes visto. Bateu nos 8,6% em junho, nutrida sobretudo pela escalada nas tarifas de energia (41,9%). Em países como Estônia, Letônia e Lituânia supera os 20%, o dobro da inflação brasileira. 

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O continente sofre as feridas do combate no próprio corpo – crises humanitária, social, política, econômica – enquanto a indústria bélica estadunidense engorda na outra margem do Atlântico. E o inverno – e a necessidade ainda mais crucial do gás russo – ainda está distante. A agência Bloomberg previu que a Alemanha – maior economia da Europa – tem só três meses “para evitar uma catástrofe”.

É uma conduta mais assemelhada a um dos 50 estados norte-americanos que devem obediência (relativa) a Joe Biden do que de nações e civilizações que moldaram o mundo como o conhecemos. A que se deve o capachismo?

Várias razões existem mas uma delas é a miniaturização das lideranças. Na Alemanha, Inglaterra, França, Itália é mais fácil encontrar apêndices do império do que estadistas. Falta alguém, de esquerda ou direita, para dizer o óbvio: é preciso parar com a guerra. 

Onde estavam Churchill, De Gaulle, Willy Brandt, Enrico Berlinguer hoje estão (ou estiveram até há pouco) personagens como Boris Johnson, Emanuel Macron e Olaf Scholtz.

O ex-primeiro ministro inglês Tony Blair, notório pela submissão a George W. Bush, talvez tenha sido a maior fonte de inspiração para os dirigentes europeus atuais. É a figura mais carimbada de uma esquerda sucrilhos, fruto da capitulação da social-democracia perante o neoliberalismo. O que resultou no atrelamento europeu à política externa dos EUA e o embarque nas guerras imperiais mundo afora, especialmente no Oriente Médio.

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Agora, quando em novo movimento do xadrez geopolítico dos falcões de Washington, a presidenta da Câmara dos Deputados, Nancy Pelosi, desembarca em Taiwan à frente de nova provocação à China, não é demais citar a angústia americanófila do sempre fiel Blair.


A presidenta do Congresso dos EUA, Nancy Pelosi, manteve sua visita à ilha de Taiwan, apesar das advertências de Pequim / Nazri Rapaai / AFP

O ex-premier tem implorado para o Ocidente – leia-se Washington – dar um jeito de “segurar a China”. Em discurso, relatou que os chineses já superaram os norte-americanos em campos como a inteligência artificial e a medicina regenerativa. Acentuou que a hegemonia ocidental “está chegando ao fim”. Urge, segundo ele, “aumentar os gastos com defesa e manter a superioridade militar”.

Blair também não fala em paz.

*Ayrton Centeno é jornalista, trabalhou, entre outros, em veículos como Estadão, Veja, Jornal da Tarde e Agência Estado. Documentarista da questão da terra, autor de livros, entre os quais "Os Vencedores" (Geração Editorial, 2014) e “O Pais da Suruba” (Libretos, 2017). Leia outras colunas.

**Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.

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