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A coluna Bioética em Pauta é mantida pela Sociedade Brasileira de Bioética em Minas Gerais. E tem como objetivo compartilhar com os desafiadores debates que envolvem as éticas da vida em uma socied...ver mais

Lutar pela vida em um contexto de política da morte

Enfrentamos uma poderosa ofensiva ideológica, econômica e política de uma minoria sedenta de dinheiro. Está em jogo o destino daquilo que chamamos humanidade.

Por Élio Gasda 

“Como é possível um poder político matar, reclamar a morte, pedir a morte, mandar matar, dar a ordem de matar e expor à morte seus inimigos?” (Michel Foucault). Simples. Enfrentamos uma poderosa ofensiva ideológica, econômica e política de uma minoria sedenta de dinheiro, muito dinheiro. Quanto mais desequilíbrios sociais e ambientais, mais dinheiro. Estamos nos destruindo para manter o fluxo de dinheiro para os ricos.

A violenta cultura do descarte foi intensificada, no Brasil e no mundo. 

“O que se vê no Brasil foge às regras que se aplicariam a uma guerra, se ela existisse. Por trás da guerra às drogas o que existe é política de extermínio que elimina pessoas com a justificativa de levar segurança” (Alexandra Montogmery, Anistia Internacional). 

A política, atividade humana por excelência, se converteu em tanatopolítica (política de morte) ao separar as “vidas que importam” das “vidas que não importam”. Corpos viram alvo. Somos o país do extermínio. No campo e na cidade. Corumbiara, Eldorado do Carajás, Carandiru, Vigário Geral, Complexo do Alemão, Maré, Jacarezinho, Guarujá. Política da morte aplicada sempre contra os mesmos, os mais fragilizados. 

Ontem e hoje. Nada é por “acidente”. São mais de quinhentos anos de história de extermínio. Que o digam nossos povos indígenas. Agora, são as forças de segurança que descumprem a lei, agem como bandidos e aplicam sentenças inexistentes – pena de morte e tortura. Prendem, julgam e condenam. A polícia faz o trabalho sujo que os “cidadãos de bem” não querem ver, mas que desejam que se faça.

Uma nação de mais de 200 milhões de pessoas não decide de uma hora para outra apoiar uma ação policial que invade aglomerados matando pessoas. Convivemos com essa brutalidade desde as origens do Estado brasileiro. Deixar morrer, e naturalizar mortes evitáveis, também é uma forma de exterminar. A tanatopolítica não implica apenas a eliminação física da vida, mas também seu abandono. Expor à morte, multiplicar as ameaças à vida é assassinato indireto. 

No mundo, milhares de pessoas são abatidas pela tanatopolítica. Excluídas dos direitos fundamentais, foram abandonadas à própria sorte. Seria o genocídio do povo palestino provocado pelo exército de Israel o florescimento da nova política de extermínio? Gaza é o exemplo mais acabado da aplicação radical da política de morte. O horror foi naturalizado. A guerra é a forma mais extrema de terrorismo. 

A barbárie, em sua fúria brutal, conduz a regressão ao estado de desumanidade. Aceitaremos a brutalidade como definidora de nossa condição de seres humanos? Depois de Gaza, “saberemos cada vez menos o que é um ser humano” (José Saramago). Quem aplaude a barbárie torna-se tão desumano quanto quem a promove. Silenciar é confessar cumplicidade. Genocídios só foram reconhecidos pelas autoridades depois que aconteceram.

O que deve ser feito? Papa Francisco aponta o caminho: “Enquanto não se eliminar a exclusão e a desigualdade dentro da sociedade e entre os povos, será impossível erradicar a violência. Acusam-se da violência os pobres, mas sem igualdade de oportunidades, as várias formas de agressão e de guerra encontrarão um terreno fértil que, mais cedo ou mais tarde, provocará a explosão” (Evangelii gaudium, 59).

Tomar consciência do que está acontecendo é o primeiro passo para despertar a ousadia necessária para resistir nesses tempos sombrios. Está em jogo o destino daquilo que chamamos humanidade. 

É preciso coragem para enfrentar a tanatopolítica. Não tenhamos medo de defender o óbvio: a vida!

Élio Gasda é membro da SBB e professor da Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia (Faje).

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Este é um artigo de opinião, a visão dos autores não necessariamente expressa a linha editorial do Brasil de Fato

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