Já refletimos, em diferentes momentos, sobre os desafios dos profissionais de saúde, em especial os da enfermagem, na produção equânime e sustentável do cuidado às pessoas, famílias e comunidades vulneráveis.
O conceito de equidade em saúde consta inicialmente da Carta de Ottawa, documento resultante da Primeira Conferência Internacional sobre Promoção da Saúde, publicado em 1986.
No Sistema Único de Saúde (SUS), o princípio da equidade tem sido operacionalizado em duas dimensões principais: condições de saúde e acesso aos serviços de saúde, partindo sempre do reconhecimento de que as pessoas são diferentes e têm necessidades diversas.
Se o SUS oferecesse exatamente o mesmo atendimento para todas as pessoas, da mesma maneira, em todos os lugares, estaria provavelmente oferecendo coisas desnecessárias para alguns e deixando de atender às necessidades de outros, o que manteria as situações de desigualdades.
Nessa perspectiva, entre tantos desafios para promover uma prática assistencial justa e inclusiva, o Conselho Federal de Enfermagem (Cofen) entrou com uma representação no Ministério Público Federal (MPF) contra a Resolução 2.427/2025, do Conselho Federal de Medicina (CFM), que restringe o atendimento de pacientes transgêneros.
Tal resolução tem sido considerada por especialistas e movimentos populares como um retrocesso no acesso à saúde para pessoas trans, pois impede tratamentos que podem trazer benefícios físicos e psicológicos para essa população, além de negar o direito à autodeterminação de gênero.
Segundo o Cofen, a restrição de tratamentos aos pacientes transgêneros pode levar à procura por métodos inseguros, como hormônios e silicone industrial, aumentando o risco de infecções, doenças e mortes. O atendimento à população transgênero deve ser ampliado com práticas seguras e adequadas.
É claro que não pretendemos esgotar o debate em torno da atenção à saúde aos pacientes transgêneros, mas ampliar a reflexão sobre os desafios dos profissionais de saúde para uma prática com equidade. Nesta direção coloca-se a seguinte questão: num país em que se convive com uma das piores distribuição de renda do mundo e, consequentemente, enorme desigualdade social, é possível atuar como profissionais de saúde na perspectiva da equidade?
Diante do exposto, falar de equidade em saúde é quase proferir um discurso utópico. Mas, é preciso insistir que se trata de uma reflexão indispensável para se pensar em uma prática assistencial equânime, justa e inclusiva.
Márcia dos Santos Pereira é professora associada da Escola de Enfermagem da UFMG e membro da Sociedade Brasileira de Bioética em Minas Gerais
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