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A longa morte de Adriana Smith

Projeto quer proibir aborto nos casos de risco à vida da gestante

Por Marcelo Sarsur

Adriana Smith, 30 anos de idade, mãe de um filho de 5 anos, moradora de Atlanta no Estado da Georgia (EUA), sofreu um acidente vascular cerebral em fevereiro de 2025. Levada ao hospital, foi reconhecida a morte cerebral por meio dos testes médicos.

Entretanto, sua história não termina com sua morte: por estar gestando um feto de 9 semanas de idade, o hospital se recusou a desligar os aparelhos, baseando-se na legislação do Estado da Georgia que reconhece que a pessoa humana já existe a partir das 6 semanas de gestação.

Apenas em 13 de junho de 2025, quatro meses depois, permitiu-se que Adriana Smith finalmente descansasse. Foi feito o parto do feto, via cesárea, e os aparelhos da paciente foram desligados, para permitir o fim do processo do morrer.

A família de Adriana não foi consultada. Seus desejos não foram levados em conta. O feto, que se desenvolveu dentro de um cadáver, já foi diagnosticado com hidrocefalia e sua saúde é precária. Não há precedente para a situação; e não se tem aqui um triunfo da ciência, mas sim uma demonstração inequívoca de que o feminismo, por mais avanços que tenha produzido nos últimos dois séculos, ainda precisará lutar muito para trazer a igualdade de gênero.

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Adriana foi reduzida, post mortem, a uma incubadora. Um objeto para sustentar o desenvolvimento de um feto, que já é considerado pela lei local como uma pessoa embora não tivesse sequer a viabilidade de existir fora do corpo da gestante.

Se a primeira medida da dignidade humana, segundo Kant, é que um ser humano sempre é um fim em si mesmo, e nunca um objeto para um fim, essa medida mínima foi negada a Adriana, como é negada a toda pessoa gestante para os ideólogos da visão concepcionista.

A tragédia de Adriana Smith, que não pode ser esquecida, ilustra de modo gritante o paradoxo no coração do movimento pela personificação do embrião ou do feto: sob o pretexto de reconhecer a humanidade do ser em desenvolvimento, negam-se radicalmente a personalidade e a autodeterminação da pessoa gestante.

A gestante é tratada como objeto, não enquanto uma pessoa humana. Se a ideologia concepcionista nega a autonomia da mulher enquanto viva, não há qualquer obstáculo a que se negue esse direito após a morte.

Adriana Smith, o feto no que já foi seu útero, e seus familiares são vítimas palpáveis de uma cruzada ideológica que confunde a semente com a árvore, a planta com o edifício, o embrião com a pessoa humana.

Em tempo: está em tramitação, no Congresso Nacional, proposta de Emenda à Constituição brasileira que enuncia que a junção de dois gametas produz automaticamente um ser humano.

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O intuito do projeto é claro feito o dia: criminalizar o aborto voluntário como equivalente ao homicídio e o aborto espontâneo, e banir qualquer hipótese de aborto legal, mesmo nos casos de risco à vida da gestante ou de violência sexual.

Não é necessário recorrer à ficção, porque Gilead é aqui.

Marcelo Sarsur é vice-presidente da Sociedade Brasileira de Bioética em Minas Gerais.

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Este é um artigo de opinião, a visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do Brasil de Fato

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