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O Ponto é editado por Lauro Allan Almeida e Miguel Enrique Stédile, do Front - Instituto de Estudos Contemporâneos, e é publicado todas as sextas-f...

Um estranho equilíbrio

Olá, o governo não passou no primeiro teste dentro do Congresso. Bolsonaro acordou com a Polícia Federal à porta. E, com a taxa de juros nas alturas, só quem saiu ganhando essa semana foram os banqueiros.

Operação da PF que apura falsificação de dados da vacinação atingiu núcleo mais próximo de Bolsonaro

 

.Google Boy. Pairava a dúvida se o governo teria ou não maioria para governar. A retirada de pauta do PL das Fake News (PL 2630) acendeu o sinal de alerta, pois os esforços de Arthur Lira para entregar uma vitória no Congresso deram com os burros n’água. Mesmo que o projeto de regulamentação da internet tenha recebido o apoio dos tradicionais grupos de comunicação, como a Rede Globo, corporações internacionais como Google, Meta, Twitter e TikTok agiram sistematicamente para derrubá-lo, lançando manifestos, vetando postagens favoráveis e disseminando propagandas contrárias. Tudo isso com um descarado abuso de poder econômico. O clima só confirma que a internet virou mesmo terra de ninguém, ou melhor, de poucos. Google e companhia venceram a batalha com jogo sujo, fazendo prevalecer a imagem de que se tratava de uma tentativa do governo controlar a internet, visão que foi reforçada pela retirada da medida prevista no texto original do PL que criaria uma entidade autônoma reguladora. Mas a derrota do governo só foi possível porque a sacudida das Big Techs animou bolsonaristas, evangélicos e tucanos a fazerem a festa. Em Porto Alegre, houve até protesto no tradicional ponto de encontro bolsonarista. Antes de sepultar o projeto, a bancada evangélica ainda tentou criar um dispositivo para dar imunidade a lideranças religiosas que ofendam a população LGBTQIA+ na internet. Mas a pressão de Silas Malafaia e outros pastores mudou o voto dos deputados do Republicanos. E até o PSDB, que era um dos formuladores do PL 2630, mudou de lado. Prevendo o pior, Arthur Lira retirou a proposta da pauta, e agora ninguém sabe qual será seu futuro. O governo ainda sofreu mais uma derrota com a queda dos vetos no Marco do Saneamento, para a qual contou a infidelidade do MDB, União Brasil e PSD. Arthur Lira só não saiu mais chamuscado porque manobrou para a base governista ficar com a maioria na CPMI do 8 de janeiro e ainda deve mandar para a Comissão de Ética a representação contra oito deputados bolsonaristas. Mas, pior, a reviravolta levanta dúvidas sobre a possibilidade de aprovação de outras matérias importantes para o governo, como o novo arcabouço fiscal e a reforma tributária, e aumenta o preço da governabilidade na base de um velho indexador: a liberação de emendas.

.O fio do novelo. Se no Congresso, o terceiro turno contra o bolsonarismo bloqueou o Planalto, foi justamente do lado de lá que vieram as melhores notícias para um governo que ainda não deslanchou na economia e nem nas políticas estratégicas. A operação da Polícia Federal para apurar a falsificação de dados da vacinação não apenas atingiu em cheio o núcleo mais próximo de Bolsonaro – prendendo dois seguranças pessoais e o seu braço direito, o tenente-coronel Mauro Cid Barbosa – como parece ter encontrado um fio para desatar o gigantesco novelo de operações ilegais do governo anterior. Cid, por exemplo, está envolvido com esquemas que vão desde a articulação de atos contra o Supremo, passando pelos saques para caixa 2 de Michelle, até o caso das jóias sauditas. Segundo a PF, o mesmo esquema criminoso era parte do Gabinete do Ódio, com ataques nas redes sociais às instituições, e tinha relações com as milícias cariocas. Já o coronel do Exército Marcelo Costa Câmara era o responsável pela Abin paralela criada para proteger a família Bolsonaro e atacar inimigos políticos. Os rastros da quadrilha chegam até o assassinato de Marielle Franco. Um dos presos é o militar da reserva e ex-candidato a deputado estadual, Ailton Barros (PL-RJ), que concorria com o título de “O 01 de Bolsonaro”. Em trocas de mensagens, Barros afirma saber quem mandou matar a vereadora. Cid e Barros teriam ainda discutido um Golpe de Estado depois da derrota nas eleições. Com a ação da PF, já são pelo menos cinco frentes do cerco a Bolsonaro, incluindo STF, TSE e justiça comum, sem contar a investigação sobre a rachadinha no gabinete de Carluxo. O isolamento de Bolsonaro só não é maior graças à fidelidade irrestrita do agronegócio, mas até nas casernas, já há sinais de reconciliação com Lula, deixando sua criatura à própria sorte. Com tudo isso, resta ao capitão fazer o que ele faz de melhor – pagar de vítima – enquanto outros nomes da direita já se preparam para substituí-lo.

.Último bolsonarista livre. Lula e Fernando Haddad ficariam felizes mesmo se a carteirinha de vacinação de Campos Neto tivesse sido encontrada pela PF. Livre, leve e solto, o presidente do BC manteve a sua convicção e a taxa de juros nas alturas em mais uma demonstração de que sua decisão é política e insensível à crise econômica. Graças à política do BC, em apenas um ano, o salário médio dos trabalhadores caiu 6,9%, enquanto os ganhos de acionistas de empresas aumentaram 23,8%, segundo dados da Oxfam. É quase um tira-de-lá-põe-aqui, pois o lucro dos acionistas alcançou US$ 34 bilhões, quase o mesmo montante que os trabalhadores do país tiveram em cortes em seus salários. Com juros altos, ninguém pensa em tomar crédito para investimentos, principalmente se a taxa Selic garante lucros maiores para especuladores sem produzir nada, e o processo de desindustrialização avança a ponto de ameaçar qualquer tentativa de inserção econômica do país no cenário mundial, alerta o economista José Luis Oreiro. Com a pedra do BC no sapato, sobraram anúncios magros do presidente nos atos do 1.º de maio. O aumento do salário mínimo ficou abaixo do esperado pelas centrais sindicais, a ampliação da faixa de isenção do imposto de renda só valerá a partir do ano que vem e mudanças na reforma trabalhista dependem da frágil articulação do governo no Congresso. Pior mesmo só na Argentina, onde a crise econômica obrigou o presidente Alberto Fernandez a vir aqui pedir ajudar do Brasil para tirar a faca do pescoço.

 

.Ponto Final: nossas recomendações.

.Argentina e o labirinto. No GGN, Leonardo Granato analisa os efeitos políticos da crise econômica argentina há quatro meses das eleições primárias.

.A rede antivacina. O novo episódio da Rádio Guarda-Chuva mapeia os grupos antivacina que disseminam teorias da conspiração e têm ligações com a extrema direita e com o neonazismo.

.A peruca loura, a coleira de cachorro, uma pistola. Como o YouTube e o bolsonarismo transformaram o bizarro e o extremo em método político.

.Novo arcabouço fiscal: um movimento possível dentro da camisa de forças. No IHU, Luis Nassif, Leda Paulani e José Carlos de Assis analisam e debatem a proposta da equipe econômica do governo.

.Mulheres foram às urnas em todo o Brasil pela 1ª vez há 90 anos. Na Folha de S.Paulo, conheça a luta das mulheres pelo direito ao voto desde a proclamação da República.

.A carta de esperança. A luta pelo resgate da história de Esperança Garcia, mulher negra, escravizada e primeira advogada brasileira. Na Piauí.


Ponto é editado por Lauro Allan Almeida Duvoisin e Miguel Enrique Stédile.

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