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O Ponto é editado por Lauro Allan Almeida e Miguel Enrique Stédile, do Front - Instituto de Estudos Contemporâneos, e é publicado todas as sextas-feiras.

 A revolta da emenda

Sem mexer nos tributos e estrangulado pelo arcabouço fiscal, vai sobrar ao Planalto fazer exatamente o que a Faria Lima deseja: cortar nos gastos sociais

Olá, a inflação disparou! Não, não estamos falando da economia e sim do preço do apoio do centrão ao governo.


.Saco de pancadas. Mais do que o fim do casamento entre o governo e os presidentes da Câmara e do Senado, a nova derrota do Planalto no Congresso teve requintes de crueldade. Hugo Motta e Davi Alcolumbre sabiam que o governo contava com o esvaziamento do parlamento por conta das festas juninas para ganhar tempo e contornar o impasse em torno do projeto do IOF. Os dois não apenas convocaram a votação com sessão virtual, sem a necessidade da presença dos parlamentares em Brasília, como o governo só soube da decisão pelas redes sociais. Para temperar, a relatoria do projeto foi entregue ao PL e a maior parte dos votos veio de partidos com ministérios. Isso tudo depois do Planalto acelerar a liberação de emendas, empenhando mais R$831 milhões, totalizando a liberação de quase R$2 bilhões neste ano, e depois de ceder aos interesses de Alcolumbre na exploração de petróleo na foz do Amazonas. Mesmo assim, no centro da revolta está o descontentamento dos parlamentares com a velocidade na liberação das emendas. Além de escancarar a fragilidade da articulação política do Planalto, a situação também leva o governo a um beco sem saída. A promessa de retaliar com o bloqueio de emendas parlamentares soa mais como bravata. Afinal, se com elas o governo não aprova nada, sem elas, a possibilidade de ficar definitivamente paralisado é enorme. O mesmo vale para a possibilidade de judicializar a decisão do Congresso, que seria mais uma demonstração de fraqueza do que de força, transferindo para o STF a responsabilidade pelo embate sem nenhuma garantia de vitória, além de atestar o esgotamento da capacidade de negociação com o Congresso. Sem mexer nos tributos e estrangulado pelo arcabouço fiscal, vai sobrar ao Planalto fazer exatamente o que a Faria Lima deseja: cortar nos gastos sociais. Melhor ainda para Tarcísio de Freitas, que além de ver um governo sangrando e com medidas antipopulares às vésperas do ano eleitoral, ainda vê o clamor cada vez mais forte das bases bolsonaristas, como o agronegócio, pela sua unção como candidato da direita.

.Fora do jogo. Foi-se o tempo em que Lula conseguia contrabalançar os problemas domésticos com vitórias na política externa. Agora as duas esferas parecem só trazer dores de cabeça ao governo. Parte disso se deve à pequena relevância do Brasil num cenário internacional cada vez mais dominado por grandes potências. Assim, o posicionamento de Lula condenando os ataques israelenses ao Irã, por exemplo, não teve qualquer repercussão mundial, mas foi suficiente para despertar a hostilidade da mídia brasileira. Isso mesmo com a postura moderada do governo em relação à Israel, sem promover boicotes ou vetar o dia da amizade proposto pelo Congresso. Acontece que, com o crescimento dos BRICs e a escalada bélica dos Estados Unidos e da OTAN, o espaço para o Brasil atuar como uma espécie de centrão das relações internacionais se esgotou e o presidente brasileiro titubeia em sair de cima do muro. Por um lado, ele tenta frear a influência de Trump na OEA, mas, por outro, evita também estreitar as relações com Rússia e China. O sintoma dessa ambiguidade é a pouca atenção dispensada à cúpula dos BRICS, que ocorrerá no Rio de Janeiro e que não contará com a presença de Vladimir Putin e de Xi Jinping, justamente num momento estratégico para o fortalecimento dos fóruns multilaterais. Em compensação, a grande aposta de Lula, a agenda ambiental em torno da COP 30, tem tudo pra ser um fracasso retumbante. Isso não só devido à especulação dos preços dos hotéis em Belém nas datas do evento, ou à péssima notícia do aumento das queimadas no Brasil ano passado, mas especialmente pela insistência do governo em apostar nos combustíveis fósseis, fazendo um leilão de 34 blocos de exploração de petróleo, 19 deles na bacia da foz do Amazonas.

.Ponto Final: nossas recomendações.


.Os boicotes funcionam: marcas de Israel não conseguem atrair consumidores. A Meta/Facebook reconhece a eficiência dos boicotes comerciais contra Israel. No Intercept.

.Tudo que você sabe sobre o Irã está errado. O livro de Medea Benjamin, lançado em português, desvenda os laços históricos e culturais do país. Na Jacobin.


.Sul Global em ascensão: estar no BRICS é símbolo de um novo alinhamento geoestratégico? Especialistas discutem o papel do Brasil dentro do bloco. Na Sputnik.

.Quem tem medo de Cristina Kirchner?. Porque a ex-presidenta ainda é a maior protagonista da política argentina. No Diplomatique.

.O coração do Brasil está envenenado. Os agrotóxicos que contaminam a água e a fauna no Território Indígena do Xingu. Na Piauí.


.Ailton Nós não podemos ser uma máquina de fazer coisas’. Em entrevista ao Brasil de Fato, o líder indígena critica o modo de produção capitalista.

.Aos 89 anos, Ken Loach continua perigoso. A Jacobin homenageia a obra e a insubordinação do cineasta britânico.

Ponto é escrito por Lauro Allan Almeida Duvoisin e Miguel Enrique Stédile.

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