Mais uma vez, o interesse público ficou em segundo plano. Em uma decisão que retrocede a transparência e o debate democrático, a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) arquivou um projeto de lei que buscava restabelecer o direito de regularizar o aviso de infração do Estacionamento Regulamentado (EstaR). O texto de iniciativa do nosso mandato, foi barrado sob a alegação de “vício constitucional”, com o argumento de que a proposta interferiria nas competências do Poder Executivo. Essa justificativa, no entanto, é questionável e parece ser mais um obstáculo político do que uma preocupação jurídica.
Essa decisão é ainda mais incoerente quando olhamos para o histórico recente da própria Câmara. Em 2021, a Procuradoria Jurídica do Legislativo já havia analisado uma proposta similar e, mesmo reconhecendo que havia “entendimentos diversos” sobre o assunto, concluiu que a matéria não usurpava a competência do Executivo. Um projeto com teor semelhante, apresentado por cinco vereadores (a maioria da base do governo), estava pronto para ser votado desde agosto de 2021, mas foi arquivado neste ano por falta de interesse dos parlamentares autores em reapresentar. O que mudou, portanto, não foi a lei, mas a interpretação política imposta para barrar o debate.
O projeto arquivado não buscava criar uma lei nova, mas sim restaurar um direito que já foi realidade em Curitiba por décadas: a possibilidade de regularizar o aviso de infração do EstaR. Hoje, o simples esquecimento de ativar o aplicativo acarreta uma multa de R$195,23 e 5 pontos na Carteira Nacional de Habilitação (CNH). Essa mudança representa uma penalização desproporcional e injusta, que atinge principalmente os mais vulneráveis, em uma cidade onde os custos de transporte e de vida são elevados.
A ideia de que legislar sobre um prazo de regularização interfere no Executivo é uma contradição. O projeto de lei não tinha como objetivo interferir na estrutura administrativa da prefeitura ou no seu “poder de polícia”, mas sim restaurar a proporcionalidade e o caráter educativo do EstaR. Defendemos que as ações educativas devem vir antes da punição. Uma gestão pública comprometida com a justiça social não pode tratar o esquecimento de um aplicativo como uma infração grave.
A urgência de um sistema mais justo se evidencia nos dados: somente em 2024, foram aplicadas mais de 108 mil multas de estacionamento rotativo, o terceiro tipo de penalidade mais aplicada. Com todas as infrações de trânsito do ano passado, a prefeitura arrecadou mais de R$ 235 milhões. No entanto, menos de 0,2% desse valor (R$ 507.634,05) foi destinado a ações de educação no trânsito.
O arquivamento deste projeto, na última semana, não é uma decisão técnica, mas uma escolha política que penaliza a população e aprofunda as desigualdades. Apenas eu e outro vereador fomos contrários a essa decisão na CCJ, que foi aprovada por cinco vereadores da base do governo: Fernando Klinger (PL), Lórens Nogueira (PP), Rafaela Lupion (PSD), Rodrigo Marcial (Novo) e Toninho da Farmácia (PSD). A decisão de silenciar o debate e de retirar da população o direito a um trânsito mais justo e educativo mostra de que lado a maioria da Câmara parece estar. Porém, seguirei atuando em defesa dos curitibanos e não de terceiros.
Camilla Gonda é vereadora de Curitiba pelo PSB, formada em Direito pela PUCPR, mestranda em Ciência Política pela UFPR, pesquisadora, ao lado da juventude e pelas mulheres.