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Carlos Castelo é cronista, escrevinhador e sócio-fundador do grupo de humor Língua de Trapo. Casteladas, a coluna dos aforismos, traz o gênero l...

Calou um ianque, não pisa mais em Miami

É como se o governo Trump estivesse dizendo: A Constituição dos Estados Unidos agora é global

Casteladas, a coluna de aforismos e pensamentos, traz o gênero literário conhecido por ser o oposto do calhamaço. A frase curta – ou o fragmento – de alegria instantânea, a serviço do humor.

§ Os Estados Unidos agora resolveram colocar na lista negra qualquer estrangeiro que, vejam só, “censure americanos”.

A lógica é simples: calou um ianque, não pisa mais em Miami. É como se o governo Trump estivesse dizendo: “A Constituição dos Estados Unidos agora é global”.

A ironia é evidente. O país com histórico de escutas ilegais, listas negras de Hollywood e guerras por petróleo agora acusa um magistrado brasileiro de censura? É como o capeta reclamar com o dono da sauna que o ambiente está quente demais.

Enquanto isso, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Alexandre de Moraes, que já caçou mais fake news do que o Batman enfrentou o Coringa, provavelmente pensou: “Bom, menos fila na imigração.”

§ Eis que, num surto de generosidade, a Confederação Brasileira de Futebol resolve contratar Carlo Ancelotti. Sim, ele mesmo: o senhor das sobrancelhas dramáticas, com um olhar de quem julga silenciosamente o ponto do seu risoto, e aquele raro talento de não suar nem no banco de reservas. Um técnico com mais Champions League que o Vasco tem de paciência.

Até aí, vá lá. O homem entende de futebol. O problema não é a competência do cidadão, mas o pacote que o acompanha: salário de cinco milhões de reais por mês, jatinho particular e uma mansão digna de astro do pop bancados por quem? Pela própria CBF, é claro.

E não para por aí. Há bônus generosos pelas vitórias da Seleção. Em outras palavras, o sujeito já ganha uma fortuna para fazer o seu trabalho e outra fortuna se esse trabalho der certo. É como um pedreiro receber bônus porque a parede ficou reta ou um professor ser recompensado por ensinar o alfabeto corretamente: utopia.

— Ah, mas o Palmeiras também paga muito bem ao Abel Ferreira! — grita um torcedor.

Sim, querido. Mas o Palmeiras é administrado com a atenção e responsabilidade de quem precisa prestar contas a patrocinadores, torcedores e àquela tia milionária que repete sem parar: “Abel, toma um Pix e traz mais um título”.

A CBF também é uma entidade privada, mas vive do que arrecada com o futebol brasileiro: patrocínios milionários, direitos de transmissão, venda de ingressos caros e camisas com preço de grife. E, se não recebe dinheiro diretamente dos impostos, certamente é beneficiada pelo fervor popular e pela audiência cativa de milhões de brasileiros que, indiretamente, sustentam o espetáculo.

O mais curioso é que ninguém perguntou a opinião do torcedor. Não houve consulta popular. Não apareceu em nenhum lugar a pergunta: “Você acha razoável pagar cinco milhões por mês para um técnico italiano gritar com o Vinícius Júnior?” Apenas chegou o pacote completo. E o carnê implícito na nossa devoção ao futebol.

E assim seguimos: enquanto o torcedor vê sua carteira mais vazia a cada rodada, não conseguimos formar um técnico nacional que custe menos do que o prêmio acumulado da Mega-Sena. Nossa esperança é que, com tanto investimento, Ancelotti ao menos multiplique gols como Cristo multiplicava pães.

Se não vier a Copa, paciência: já estamos acostumados. Mas que, pelo menos, ele aprenda a cantar o hino.

Porque no fim, o brasileiro sempre perdoa. Desde que o perdão venha com gol, samba e uma promoção de cerveja no supermercado.

* Este é um artigo de opinião e não representa necessariamente a linha editorial do Brasil do Fato.

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