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Carlos Castelo é cronista, escrevinhador e sócio-fundador do grupo de humor Língua de Trapo. Casteladas, a coluna dos aforismos, traz o gênero literário conhecido por ser o oposto do calhamaço. ...ver mais

Decálogo do verdadeiro gado

Para argumentar, o gado deve sempre escolher os alvos mais fracos, mais vulneráveis e mais marginalizados. Só o falso gado ataca quem pode se defender

Casteladas, a coluna de aforismos e pensamentos, traz o gênero literário conhecido por ser o oposto do calhamaço. A frase curta – ou o fragmento – de alegria instantânea, a serviço do humor.

I. O gado deve ter orgulho de sua intolerância e a exibir como virtude.

II. O gado deve apagar qualquer traço de empatia que eventualmente sinta, assim que a perceba surgir em seu coração (se ainda o tiver).

III. Para argumentar, o gado deve sempre escolher os alvos mais fracos, mais vulneráveis e mais marginalizados. Só o falso gado ataca quem pode se defender.

IV. O gado deve agir principalmente quando está em manada, e, em especial, contra indivíduos isolados. A covardia é a mãe da preservação bovina.

V. O gado perde no ato seu título quando demonstra qualquer sinal de dúvida sobre suas convicções inabaláveis. A certeza absoluta é requisito fundamental.

VI. Gado precisa estar sempre em busca de inimigos. Sem eles, sua existência perde o sentido. Se não houver inimigos reais, deve inventá-los.

VII. Ter compaixão não é próprio da função do gado. Gado que demonstra piedade não corresponde ao ideal do movimento.

VIII. Um gado verdadeiro será moralmente rígido com os outros e flexível consigo mesmo, expert em duplos padrões, mestre da hipocrisia e devotado à aparência de ordem.

IX. O gado deve ser preguiçoso em termos intelectuais. Só assim conseguirá aceitar explicações simplistas para problemas complexos e acreditar em teorias conspiratórias sem questionar.

X. Gado é superior, é um escolhido, guardião da moral e dos bons costumes (que ele mesmo não segue). Deve estar sempre pronto para sacrificar os outros em nome de seus ideais, jamais a si mesmo.

CONCLUSÃO LÓGICA: Se você se identificou com estas características e ainda assim se orgulha disso, parabéns: você é gado de um rebanho perfeito. Mas não se preocupe em admitir: gado adora se disfarçar de “cidadão de bem”.

Em tempo: qualquer semelhança entre este texto e o Decálogo do Verdadeiro Humorista, de Millôr Fernandes, não é coincidência.

*Este é um artigo de opinião e não necessariamente representa a linha editorial do Brasil do Fato.

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