Não é novidade para ninguém que o clima tem mudado muito. Importante frisar que o clima não é tempo nem temperatura, que vemos nos telejornais – inclusive a pessoa responsável ganhou o codinome “tempo”, como “ fulaninho do tempo”. Essa é apenas uma informação das condições meteorológicas da atmosfera daquele exato momento, como um retrato daquele dia e dos próximos, onde a gente se planeja para ir à praia e ou os agricultores pensam como será o plantio nas próximas semanas.
Por outro lado, o clima seria mais como uma série histórica das temperaturas, das chuvas, entre outros aspectos. Ele impacta a sociedade como um todo, muda a forma como lidamos com o ambiente ao nosso redor, altera a forma como o alimento é produzido e interfere no fluxo migratório de todos os seres vivos, sobretudo aqueles que têm o telencéfalo altamente desenvolvido e o polegar opositor – nascidos entre 1970 e 1980 entenderão.
A mudança do clima é algo natural, tanto que nós estudamos as eras geológicas e vimos que o planeta vai mudando ao longo de milhões de anos. O fato grave é que agora ele está mudando muito rápido e justo na nossa vez. Os negacionistas de plantão podem dizer que isso é absolutamente natural, mas esquecem que não existia exploração de petróleo antes de 1859, quando foi descoberto o primeiro poço nos Estados Unidos.
Desde então ficou clara a relação do óleo com a aceleração das mudanças climáticas. A emissão de dióxido de carbono (CO2) emitida por sua queima e a concentração deste gás na atmosfera faz com que a energia do sol não seja dissipada e, gradativamente, como uma estufa, aumente a temperatura do planeta. Esse é o efeito dos populares “gases do efeito estufa”.
Segundo relatório do Observatório do Clima, o Brasil é o 6º maior emissor de CO2 do mundo, atrás de potências como China, Estados Unidos e Rússia. Mas uma grande diferença é que estes países emitem CO2 para a geração de energia – eles literalmente eles estão queimando petróleo para gerar energia -, enquanto as nossas emissões estão concentradas na agropecuária, que representa 75% destas emissões.
É o agronegócio que tem desmatado e expandido a fronteira agrícola brasileira, aumentado violência no campo, a contaminação dos solos com agrotóxicos, na busca por quebras de recordes de exportação ano após ano, com recordes de lucros para os empresários do agro e toda a sua cadeia de suprimentos, que inclui dezenas de multinacionais e, lamentavelmente, bancos públicos.
A situação ficou ainda mais dramática quando, em janeiro deste ano, o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, tomou posse e derrubou qualquer possibilidade de seu país fazer algo em favor desta “corrida climática”. Ele se elegeu usando um bordão no mínimo vergonhoso – “drill, baby, drill” – que, que em tradução literal, significa “perfure, baby, perfure”, sugerindo perfurações de novos poços de petróleo e gás nos EUA.
Imediatamente à posse, o Trump se retirou do Acordo de Paris da Conferência sobre o Clima e está proibindo cientistas americanos de pesquisarem nesta área do conhecimento, cortando recursos e fazendo pressão nas instituições. E os Estados Unidos têm uma influência direta sobre muitos países do mundo, incluindo o Brasil.
Trazendo mais para perto, para o Recife, uma das capitais brasileiras mais vulneráveis aos impactos da crise climática, a cidade está à beira de uma emergência silenciosa: a elevação do nível do mar ameaça transformar bairros inteiros em zonas inabitáveis até o fim deste século. De acordo com estudo recente da UFPE, até 28 bairros da capital podem sofrer inundações frequentes em dias de sol, causadas pelo retorno da maré através da rede de drenagem urbana, um fenômeno conhecido como “inundação de dia de sol”.
Áreas como Boa Viagem, Afogados, Imbiribeira e o polo médico da Ilha do Leite estão entre as mais vulneráveis, com previsão de alagamento de praticamente todas as suas ruas. Em um cenário de aumento de 70 cm no nível do mar, previsto pelo IPCC, bairros turísticos como o Recife Antigo, além de áreas residenciais densamente povoadas, terão parte significativa de sua malha urbana submersa.
Esses impactos não apenas colocam em risco a segurança e a mobilidade da população, como podem gerar prejuízos econômicos irreversíveis e comprometer o funcionamento de serviços essenciais da cidade. Mas percebam que estou falando de dias de sol. Agora combine isso com chuvas torrenciais e talvez não tenhamos mais a cidade que conhecemos.
Somado a tudo isso, o Senado Federal passou a “mãe de todas as boiadas”, o projeto de lei que visa flexibilizar o licenciamento ambiental. Na prática é mais ou menos assim: a raposa emite um certificado dizendo que as galinhas estarão seguras na companhia dela e não há com o que se preocupar. Sendo assim, o dono do sítio não terá que gastar tempo com burocracias e proteção das galinhas. Está tudo dominado.
Esta minha primeira coluna bem que poderia ter sido sobre o São João, essa festa meio pagã e cheia de misticismos do solstício de verão, misturadas às tradições cristãs, as comidas de milho, as colheitas, a fogueira e nosso querer bem sertanejo. Mas vou ficar devendo essa. Pelo menos você poderá pensar que esse São João que a gente tanto ama também está ameaçado – e se isso não nos fizer lutar, talvez já tenhamos virado cinzas antes da fogueira acender.