Há poesia na tristeza, há poesia na saudade, há poesia até na dor da partida. Mas não há poesia na fome. Há apenas desespero, degradação e a vergonha de cada ser humano que permite a existência de outro ainda padecendo da dor da barriga vazia em pleno terceiro milênio. A pandemia, que agravou a crise econômica, aprofundou também esse vazio. Mais de 59,4% dos domicílios brasileiros já apresentavam algum grau de insegurança alimentar entre agosto e dezembro de 2020, segundo estudo do Grupo de Pesquisa Alimento para Justiça da Universidade Livre de Berlim, na Alemanha, em parceria com a Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e Universidade de Brasília (UnB).
Se era ruim no ano passado, imagine como deve ser agora, depois que a população mais vulnerável ficou três meses sem receber auxílio emergencial – e depois de recriado, o valor não banca uma cesta básica. Mesmo as pessoas que ainda conseguem comprar o que comer, não comem o que deveriam. A mesma pesquisa aponta que, quando a renda diminui, cai o consumo de frutas e verduras e aumenta o de ultraprocessados, mais baratos e danosos à saúde, uma invenção capitalista para deixar as pessoas cada dia mais subnutridas.
Sim, porque o capitalismo que estimula a produção de alimentos em larga escala e o uso e abuso dos agrotóxicos e fertilizantes para gerar mais lucros, não tem compromisso com a saúde pública. Pesquisa realizada pelo professor e especialista em segurança alimentar, agroindústria e política agrícola do Instituto de Economia da Universidade de Campinas, Walter Belik, com base em dados do IBGE aponta que, em comparação com 2003 e 2009, caiu em 7% o consumo de alimentos in natura em 2018, enquanto o de ultraprocessados subiu 46%.
Sem emprego nem renda, nem alimentos ruins a população está conseguindo comprar. Basta uma caminhada pelas ruas de qualquer cidade média do país para testemunhar o espetáculo aviltante da fome, agravada pela peste e pela guerra empreendida por um governo fascista contra a ciência e o bom senso. Por mais que haja mobilização da sociedade e iniciativas de solidariedade para tentar reduzir os danos, o problema não pode ser enfrentado sem políticas públicas.
A situação do Brasil, hoje, é tão grave que soa como eco de um tempo distante aquela música dos Titãs que dizia: “a gente não quer só comida, a gente quer comida, diversão e arte.” Retrocedemos tanto que hoje nem comida a maioria da população tem na mesa.
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