Um assunto tem me tirado o sono é Gaza. Estamos acompanhando um genocídio televisionado, rolando no feed. A cada semana, assisto, mais atônita, à escalada do abismo que cavamos enquanto humanidade. Como pode o mundo assistir calado — ou pior, cúmplice — a um massacre tão sistemático, cruel e planejado?
O Estado de Israel surgiu após a Segunda Guerra Mundial, em meio às ruínas do Holocausto. O povo judeu tem, sim, o direito à existência, à terra, à memória. No entanto, esse direito jamais pode ser construído sobre os escombros de pessoas que moram na região há milênios. Gerações de palestinos e palestinas têm vivido sob sanha destruidora de Israel desde muito antes da guerra declarada, cercados por um regime desumano de privação contínua. Desterrados, sobrevivem entre escombros, fomes e bombardeios.
O que estamos presenciando não é uma guerra. É uma política de extermínio. Conflitos armados têm início e fim, enfrentamento entre exércitos. Israel aniquila, destrói, como os fascistas fazem quando estão no poder. Só eles podem ter bomba atômica, burlar as regras internacionais, impor a lei e a ordem dos homens acima da lei e da ordem. Atiram em quem busca comida. Assassinam médicos. Bombardeiam escolas. Impedem a chegada de ajuda humanitária. Se não é um genocídio, ainda não inventamos palavra que caiba tamanha crueldade.
Financiando os planos maquiavélicos de Netanyahu – que se utiliza da guerra para não ser preso pelos tantos crimes cometidos, inclusive o de corrupção – temos voracidade dos Estados Unidos, sempre afeitos a provocar destroços. Em nome de um Ocidente branco, patriarcal e conservador, Trump tem brincado de guerrear com o destino do Oriente, seja financiando ou incitando novos conflitos.
O vício em pólvora dos americanos contribuiu para demolir cerca de 69% dos edifícios da região de Gaza, segundo as estimativas da ONU, com níveis de destruição considerados “sem precedentes na história moderna”. A “limpeza territorial” do facínora israelense combina com os planos imorais do fascista americano para a Faixa de Gaza.
E se, de um lado, vemos a guerra dos drones, mísseis e ogivas, de outro, seguimos nos moldes primitivos vitimizando, em sua maioria, mulheres e crianças. Até março deste ano, os números do Ministério da Saúde de Gaza apontavam mais de 50 mil palestinos mortos em 18 meses de conflito. Os feridos passam de 100 mil. É impossível contabilizar quem ainda está por baixo dos escombros.
Não há mais infraestrutura, cidades, esperança, espécies, histórias, paisagens, solo. Famílias inteiras foram destroçadas na tentativa de se justificar o injustificável. Por que atirar em quem só está faminto? De que vale destruir uma região inteira para atingir meia dúzia de alvos?

É importante ressaltar: jamais defendi o Hamas. A violência atroz dos grupos extremistas é absurda e inaceitável, ainda mais contra pessoas desarmadas, vítimas da necropolítica dos chefes de Estado bem protegidos em seus esconderijos antibombas. O caldeirão fumegante de desgraças nesse território tão disputado é o resultado de mais de 70 anos de embargo econômico, político, mutilações e desesperança. A Palestina precisa ser livre!
Chegamos em um ponto na curva da história sem muitas possibilidades de volta. Estamos falhando miseravelmente enquanto humanidade, destruindo tudo e todos por onde passamos. Como bem nos alerta a filósofa Donna Haraway, vivemos no “capitaloceno”, navegando na lógica da dominação total, onde o capitalismo armado decide quem vive e quem morre. Dirigindo a máquina mortífera, está a extrema direita, ressurgida em várias partes do mundo, pronta para adiantar o apocalipse dos que não tem bunker, foguete ou dinheiro.
Eu que não tenho os três, resolvi me unir com as minhas colegas vereadoras feministas de esquerda – Jô Cavalcanti (Psol), Liana Cirne (PT) e Kari Santos (PT) – e propormos, na Câmara do Recife, uma reunião pública para debater o tema. Desde sempre, meu partido, o PCdoB, defende o Estado da Palestina e me vi na urgência de trazer para o parlamento a temática.
Além de exigir o fim do genocídio, pedimos que o Brasil rompa as relações econômicas com Israel. Enquanto fornecemos petróleo ao regime de Netanyahu, estaremos fomentando a indústria bélica israelense. Se perdura tanto a guerra, é porque conta com financiamento, ajuda internacional e munições de outros países. O embargo econômico e o rompimento político são pressões necessárias para ajudar a cessar a ocupação de Israel em Gaza.
O silêncio ensurdecedor das nações diante da tragédia, os acordos bilionários que seguem se firmando, a ineficiência do Direito Internacional me assustam e me fazem questionar se não perdemos a capacidade de nos enxergarmos de verdade. Não é estranha a apatia, a inércia, a falta de coragem dos governos mundo afora?
Após a reunião – com o apoio da Federação Árabe Palestina e da Aliança Palestina Recife – encaminhamos um relatório aos deputados e deputadas estaduais, federais, Ministério dos Direitos Humanos, instituições relacionadas ao tema e Presidência da República, para engrossar o coro de quem não só pede providências, mas exige soluções. Não basta mais Lula dizer que é genocídio, precisamos ajudar a frear a matança. A Palestina grita. Tá ouvindo daí?