Por Luciano Mendes e Tarcísio Mauro Vago
“Contar é muito, muito dificultoso. Não pelos anos que se já passaram. Mas pela astúcia que têm certas coisas passadas – de fazer balancê, de se remexerem dos lugares. O que eu falei foi exato? Foi. Mas teria sido? Agora acho que nem não. São tantas horas de pessoas, tantas coisas em tantos tempos, tudo miúdo recruzado.” (Riobaldo, em Grande Sertão: Veredas, João Guimarães Rosa)
Nós humanos, criaturas simbolizadoras que somos, sempre buscamos cerimônias e datas que demarquem nossa experiência do e no transcurso do tempo, ou seja, de nossas vidas individuais e coletivas. No Brasil, de maneira jocosa, mas nem tanto, a gente costuma dizer que o ano começa, mesmo, só depois do carnaval. Há lugares, claro, em que o ano é dividido no antes e no depois do São João, e há, ainda outros, em que o verdadeiro ano novo começa já no Natal.
Ao longo de vários anos, coordenamos, a partir da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), um projeto que se chamava Pensar a Educação, Pensar o Brasil – 1822/2022, numa explícita relação com o Bicentenário da Independência. No Pensar a Educação, dizíamos que nosso ano só começava mesmo depois de uma entrevista muito especial que realizamos anos a fio em nosso Programa de Rádio: tratava-se de nossa conversa com Carlos Roberto Jamil Cury, em que nosso convidado ajudava-nos a avaliar os rumos tomados pela educação no ano anterior e perspectivar o ano em curso.
Ao longo dos anos, Cury, nosso entrevistado no primeiro programa do ano, suleava a percepção da educação não apenas para as pessoas que nos ouviam, mas para o nosso próprio Projeto.
Com sua habitual cordialidade, clareza e profundidade, acolhia nossas perguntas, às vezes bem quadradas, e alargava nossa percepção sobre as políticas educacionais, os projetos em curso e sobre aquilo que seria preciso, ou possível, fazer para avançarmos na defesa, sempre intransigente para ele, de uma educação pública, laica, gratuita e de qualidade para todas as pessoas que habitam os vastos territórios que compõem o Brasil.
Conhecemos o Cury numa disciplina que nossa turma de mestrado em educação da UFMG fez com ele no primeiro semestre de 1989. Já naquela época, o então jovem professor transitava com igual desenvoltura de Platão e Aristóteles a Marx e Durkheim, isso sem deixar de mencionar suas muito interessantes reflexões sobre Kant e Voltaire.
Eram tempos outros, nas nossas vidas, na dele e, certamente, do Brasil. Cultivávamos uma esperança, equilibrista por certo, mas pensávamos que podíamos fazer diferente. O Cury jamais deixava de nos incentivar neste sentido.
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De lá para cá, quase 40 anos se passaram. No transcurso deste tempo, pudemos acompanhar a trajetória de Cury e a consolidação de uma brilhante carreira de intelectual, agente público e pesquisador do campo da educação. Mas, sobretudo, pudemos acompanhar a consolidação teórica, doutrinária e jurídica da carreira daquele que é hoje, sem dúvida, o maior constitucionalista brasileiro da educação.
No Brasil, ninguém conhece mais da educação como matéria constitucional do que Carlos Cury. Não por acaso, seus estudos sobre a matéria e sua ação organizadora da educação, sobretudo em sua atuação no Conselho Nacional da Educação e outros órgãos e iniciativas, são tomados como referência não apenas pelos agentes educacionais, mas pelos agentes políticos e jurídicos que assumem a educação como objeto de atenção.
80 anos de idade, 60 de magistério
Mas ao lado desta marcante trajetória, nunca podemos esquecer que o Cury sempre foi, e será, um grande professor. Há 10 anos, pudemos celebrar com o Cury seus 50 anos de magistério, oferecendo a ele uma Placa Comemorativa em nome do Projeto Pensar a Educação. E é com alegria que aqui voltamos, hoje, para celebrar os seus 80 anos de idade, dos quais 60 foram dedicados ao magistério.
Como nos lembra sempre nossa dileta amiga Eliane Lopes, também ela amiga e ex-aluna do Cury, a educação é sempre uma aposta. Nela, nunca há segurança. O bom de conviver com o Cury e com ele aprender ao longo dos anos, é que ele sempre nos transmitiu saberes e gestos de esperança.
Ainda que os tempos fossem difíceis, e ele os reconhecia difíceis ontem como os reconhece hoje, vislumbrava uma possibilidade, uma perspectiva, uma linha de fuga que nos animava a continuar no bom combate e a buscar inéditos viáveis para a educação e para o Brasil.
É por isso também que se faz necessário celebrar, com alegria, a chegada dos 80 anos de Carlos Roberto Jamil Cury, este esperançoso professor e constitucionalista da educação!
Luciano Mendes de Faria Filho é pedagogo, doutor em Educação e professor titular da UFMG. Publicou, dentre outros, “Uma brasiliana para a América Hispânica – a editora Fondo de Cultura Econômica e a intelectualidade brasileira” (Paco Editorial, 2021)
Tarcísio Mauro Vago é formado em Educação Física, mestre e doutor em Educação, é professor titular aposentado da UFMG. Coordenou o Projeto Pensar a Educação, Pensar o Brasil – 1822/2022, de 2006 a 2022 e, atualmente, é da direção do APUBH.
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P.S.: No próximo dia 20/05, terça-feira, as 15 horas, a trajetória e carreira de Cury serão reconhecidas e homenageadas na PUC-Minas onde, atualmente, ele é professor.