Por Cássio José de Oliveira Silva*
O Fórum Estadual Permanente de Educação de Minas Gerais (Fepemg), por meio do Grupo de Trabalho Temporário (GTT) sobre Escola Cívico-Militar, publicou, em 2024, um Relatório-Síntese e uma Nota Pública sobre a implementação e avaliação das escolas cívico-militares em Minas Gerais. O estudo foi feito a partir de análise documental, entrevistas com inspetores escolares, questionários enviados a escolas e escuta de segmentos que vivenciam a política.
A seguir, elencamos as principais evidências encontradas sobre a implementação do programa, que não estão sendo divulgadas e publicizadas pela Secretaria de Educação do Estado de Minas Gerais (SEE/MG) e pelo governo estadual.
1) Não existem evidências científicas que comprovem que o modelo das escolas cívico-militares reduz violência ou melhora a aprendizagem escolar. Inclusive, entre as experiências internacionais mais bem sucedidas em termos de qualidade da educação, nenhuma adota o modelo de escola cívico-militar.
2) Foram documentados inúmeros relatos de tratamento agressivo dos militares a alunos com transtornos mentais (como esquizofrenia e TOD), o que fere notadamente os princípios de uma escola democrática e inclusiva. A pergunta que fica é: para onde vão os alunos que, porventura, sejam expulsos da escola por problemas de “indisciplina”?
3) Não houve formação pedagógica dos militares que atuam nas Escolas Cívico-Militares. Os cursos oferecidos eram superficiais, sem base científica ou pedagógica consistente.
4) Há evidências de que a implantação das Escolas Cívico-Militares está motivada por interesses ideológicos e partidários. Sobre esse tópico, há vários indícios de comprovação, uma vez que, em Minas Gerais, o partido do atual governador, Romeu Zema (Novo), defensor dessa proposta, fez parte da base do governo do antigo presidente, Jair Messias Bolsonaro.
5) Houve seleção social do alunado. Após a implantação, algumas escolas passaram a atrair alunos de camadas sociais com maior renda. As Escolas Cívico-Militares foram implantadas em regiões com alta violência, pobreza e exclusão social. O governo pressupõe que os problemas sociais são “casos” de polícia, e não de políticas sociais.
6) Os militares recebem salários maiores que professores e até que diretores, mesmo sem formação específica (alguns militares têm apenas o Ensino Médio completo). A formação disciplinar militar é radicalmente diferente da formação disciplinar cidadã, a qual os professores devem buscar oferecer. Parte-se do pressuposto de que os professores e a gestão escolar não têm competência para disciplinar os alunos, o que pode reforçar ainda mais a desmoralização dos profissionais da educação pelas famílias e pela comunidade.
7) O processo de adesão das Escolas Cívico-Militares aconteceu sem debate democrático. Escolas foram orientadas a aderir ao modelo com pouca ou nenhuma orientação técnica. A participação comunitária foi mínima ou simbólica, sem informação adequada.
8) Não houve mudança no Projeto Político-Pedagógico e no Regimento Escolar nos documentos escolares pesquisados. Apesar de participarem do colegiado e de alguns espaços de deliberação da gestão escolar, os colegiados escolares continuam com a mesma composição, sem previsão legal para a atuação militar.
9) Existe um problema notório de falta de dados e acesso às informações sobre as Escolas Cívico-Militares em MG. Isso sugere que os efeitos negativos da política estão sendo empurrados para debaixo do tapete.
10) A conclusão do relatório se posiciona contra a continuidade do modelo das Escolas Cívico-Militares em MG. A militarização não resolve os verdadeiros problemas: falta de políticas sociais, emprego, segurança e estrutura familiar. A violência nas escolas é um reflexo da exclusão social e não será resolvida com repressão.
11) O estudo recomenda a revogação imediata da Resolução SEE/CBMMG nº 1/2024. Pede, ainda, a retomada da gestão integral das escolas pela Secretaria de Educação. Como proposição, sugere a criação de equipes interdisciplinares para estudar os problemas reais das escolas; propor soluções sociais e pedagógicas eficazes; defende a educação democrática, inclusiva e com participação da comunidade.
Uma educação de qualidade depende da formação e valorização dos profissionais da educação, infraestrutura escolar, gestão democrática e inclusiva, por exemplo. Atualmente, Minas Gerais é o estado que tem o maior percentual de docentes contratados temporariamente e em situação precarizada em todo o Brasil. O governador escolheu não enfrentar os problemas pelas suas raízes e investe em uma política educacional cara e que não traz bons resultados para as escolas.
É fundamental que todas as comunidades escolares levem em conta esses aspectos no processo de consulta e manifestação de interesse sobre o Programa.
Brecht nos ensinou que é importante sempre perguntarmos a cada ideia: a quem interessa? Certamente as Escolas Cívico-Militares não deveriam interessar àqueles que querem a construção de uma educação com qualidade socialmente referenciada.
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Cássio José de Oliveira Silva é sociólogo (PUC-RJ), doutor em Educação (Unicamp) e professor e pesquisador do ensino superior ([email protected]).
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Leia outras crônicas e artigos sobre educação e literatura na coluna Cidades das letras: Literatura e Educação no Brasil de Fato MG
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Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal
*Este texto foi subscrito, também, pelas seguintes entidades: Campanha Nacional pelo Direito à Educação, Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação (ANPEd), Associação Nacional de Política e Administração da Educação (ANPAE), Rede Nacional de Pesquisa sobre Militarização da Educação- RePM, Associação Nacional pela Formação dos Profissionais da Educação (ANFOPE), Associação Nacional de Pesquisa em Financiamento da Educação (Fineduca), Fórum Nacional de Diretores de Faculdades, Centros de Educação ou Equivalentes das Universidades Públicas Brasileiras, Rede Nacional Ensino Médio em Pesquisa (EMPesquisa), Associação Brasileira de Ensino de Ciências Sociais – Abecs, Observatório do Ensino Médio – UFPR, Associação Brasileira de Ensino de Biologia – SBEnBio, Laboratório de Investigações em Narrativas, Currículos e Educação – UEMG, Observatório do Ensino Médio – UFC, Associação Brasileira de Pesquisa em Educação em Ciências –ABRAPEC, Centro de Estudos Educação e Sociedade – CEDES, Coletivo ELA Educação Liberdade para Aprender, Associação Brasileira de Currículo- ABdC, Associação Brasileira de Ensino de Filosofia – ABEFil, Grupo de Estudos e Pesquisas em Políticas Públicas, Educação e Sociedade (GPPES – Unicamp), Grupo de pesquisa Escola Pública e Democracia (GEPUD), Sindicato Único dos Trabalhadores em Educação de Minas Gerais, Escola de Educação – Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro – UNIRIO, Grupo de Estudos e Pesquisas em Avaliação e Currículo (GEPAC), Grupo de Pesquisa, Extensão e Ensino de Sociologia (Grupees/UFJF), Fórum Nacional de Coordenadores Institucionais dos Programas Pibid e Residência Pedagógica – Forpibid-rp.