Por Luciano Mendes
Noite e dia, ao longo dos últimos anos, temos ouvido muitas notícias e matérias científicas sobre os efeitos do aquecimento global sobre o planeta e seu impacto sobre todas as populações que o habitam. Chuvas intensas no Saara, enchentes nunca antes vistas no Texas, inundações contínuas no sul do Brasil. Isto sem falar no desprendimento de imensos territórios de gelo de suas “geleiras mães” na Antártica e na Antártida. Estamos todos e todas observando e vivendo tais efeitos, o que nos dá a sensação tão intensa de que o mundo como o conhecemos (ou não conhecemos) está chegando ao fim.
A sensação de que o “nosso” mundo chega ao fim é bastante conhecida e tem lugar em muitas obras de ficção e, mesmo, em obras científicas que se interrogam sobre como as diversas gerações percebem o tempo em que vivem. Não é incomum, a este respeito, que as pessoas mais velhas achem que quando nasceram o “seu tempo” já havia passado. Algumas vezes esta sensação é tão intensa que, para algumas gerações, o próprio mundo em que viveram, ou em que vivem, está chegando ao fim.
Ainda que esta sensação seja importante e intensa, impactando nossas vidas de forma inigualável, não é dela que estou falando. Trato, aqui, de algo que, ainda que seja processado subjetivamente por cada pessoa ou grupo de pessoas, apresenta no mundo objetivo razões de sobra a nos indicar que o mundo, o planeta, a terra, a nossa casa coletiva, tal como a conhecemos até então, pode estar no fim.
Outro dia, em viagem à cidade de Mendoza, na Argentina, vi a minha sensação de que estamos perto do fim deste mundo aumentou significativamente para mim. Na verdade, primeiro tive a sensação geracional de que um certo tempo em que vivi passou, e que deixou muita saudade. Aeroporto fechado por causa de nevoeiro, perda de conexão, perda de tempo, perda de paciência…. E, por fim, um voo da Gol de Guarulhos para Mendoza em que serviram biscoitinhos e suco que, “antigamente”, as famílias de classe média mandavam nas merendeiras das crianças para a escola. Saudade imensa, confesso, dos primeiros voos para Argentina e Chile em que serviam um prato quente e vinho, ou seja, uma refeição minimamente decente para quem passa horas desde que saí de casa até chegar em seu destino final, isto quando chega. E quando a mala não chega junto, como é foi o meu caso, o que fazer? As companhias aéreas só faltam nos dizer para reclamar com o bispo, como dantes.
A única coisa boa disto tudo, da viagem do Recife até chegar a Mendoza, quero dizer, foi o encontro, em Campinas, por puro acaso, com um jovem casal de Salvador, na Bahia, ela médica e ele servidor público, que tornaram muito vida muito mais fácil e as esperas e os périplos pelos aeroportos muito menos cansativas do que poderiam ser. Como disse em outra crônica de viagem, são estes encontros que nos surpreendem e nos enriquecem os passeios!
Há lugares demais no mundo para se conhecer e se re-conhecer
Enfim Mendoza, uma cidade a revelar-me a minha enorme ignorância: preocupado com os passeios e com os vinhos, não me dei conta, em momento algum, que se tratava de uma cidade no meio do deserto. E tudo revelado já quando o avião se preparava para descer. A segunda coisa, já sabida mas esquecida, é que cheguei justo no Dia da Independência – 09 de julho! A sorte é que pude experimentar, já de cara, um locro, prato típico da culinária argentina neste dia de festa cívica que, lá, como cá, não parece mobilizar muito a população.
O primeiro passeio, depois de comprar alguma roupa para me agasalhar do intenso frio em Mendoza, foi nas montanhas altas. No caminho, mais informações: a cidade, desértica, é abastecida pelas águas oriundas do degelo da cordilheira; uma ponte – Puente Picheuta, construída no início do XIX, em que o rio passa ao largo; uma lindíssima paisagem; a famosa Rota 7, que liga a Argentina ao Chile; e acima, muito acima, Las Cuevas, nosso destino final naquele dia.
Mas também ao longo do caminho, nossa guia ia nos falando que a estas alturas aquelas montanhas pelas quais passavam deveriam estar cobertas de neve e nos mostrando muitas instalações e negócios dedicados ao gelo, ou seja, às atividades econômicas e culturais que dependem da existência da cobertura do solo pela neve, abandonadas, subutilizadas ou que mudaram de destinação porque não há neve.
Enquanto seguíamos e nossa guia dizia insistentemente que “não havia neve”, segundo ela para evitar a nossa decepção. Famílias inteiras, várias, buscavam se mostrar confiantes que pelo menos uma “nesga” de neve haveria para matar a curiosidade de suas ansiosas proles.
Com o espírito devidamente preparado, chegamos a Las Cuevas, um povoado literalmente dividido pela Rota 7, cuja estrutura “antigamente” deveria comportar multidões, mas que agora recebeu-nos num espaço um tanto quanto apertado para almoçarmos. Era tudo aquilo que nossa guia dizia: uma montanha de terra, com umas faixas muito pequenas de neve, e muito frio, com um impacto incalculável na vida de todas as populações que habitam aqueles territórios.
Foi ao pé da Cordilheira – ou no meio dela, para dizer a verdade – e na solidão do frio que tive a nítida impressão do fim do mundo. Uma tristeza existência profunda, uma sensação de que muitas paisagens e muito territórios que não conheci até o momento, jamais conhecerei. Eu já sabia disso, por certo, porque há lugares demais no mundo para se conhecer e se re-conhecer. A diferença, agora, é que não os conhecereis por que me faltará tempo de vida ou dinheiro, mas porque não mais existirão. É assustador saber disso!
Leia outras crônicas e artigos sobre educação e literatura na coluna Cidades das letras: Literatura e Educação no Brasil de Fato MG
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Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal