Por Ana Claudia Gomes
Olá Leni, querida! Bom dia, como você está?
Vou começar a leitura do nosso livro do mês hoje com muita expectativa positiva. Gosto muito do Luciano Mendes, fui leitora dele quando dei aulas de história da educação na Unipac.
Quero saber se posso enviar minhas observações de leitura para você para fazermos companhia uma para a outra nesse processo de preparação para o encontro!
Então! Você deve lembrar de quando as escolas eram chamadas de grupos escolares. Sabe por que esse nome? Porque no século 19 as escolas públicas no Brasil eram chamadas de aulas.
Cada professor nomeado abria uma aula, geralmente em sua casa mesmo. Recebia alunos de qualquer nível e idade e ensinava todo mundo ao mesmo tempo.
Daí veio a República em 1889. Para os republicanos, a educação civilizaria o país. Então o governo republicano fez uma reforma da educação no Brasil. Criou os grupos escolares, que eram a reunião de todas as “aulas” que havia num território.
Por exemplo, aqui em Betim havia várias aulas espalhadas no território do município. Em 1910, elas foram reunidas no Grupo Escolar Conselheiro Afonso Pena, que até hoje existe. Foi criada a seriação da primeira à quarta série. Os alunos das aulas faziam testes para ver em que série seriam encaixados. Foi uma reforma barulhenta. Os professores das aulas não gostaram nada. Demorou para pegar!
Hoje as nossas escolas são todas assim, as aulas foram esquecidas. Isso eu aprendi nos livros dele!
Na página 14 ele fala das polacas prostitutas. No começo do século 20 era comum mulheres do leste europeu migrarem para o Brasil fugindo da guerra, e o único trabalho que conseguiam era a prostituição
Na página 18 tem o seguinte trecho: “quero que você recolha a opinião de algumas professoras que participam do Congresso. Não converse apenas com os homens… Pergunte a elas sobre o passeio, a viagem, essas coisas que elas gostam de contar”. Esse trecho se refere à feminização do magistério.
Até o tempo das aulas públicas, a maioria dos professores nomeados pelo governo era composta de homens. Com a reforma educacional para atingir mais estudantes (a meta era escolarizar toda a população de 7 a 10 anos), previa-se que os gastos públicos iam aumentar. Por isso, começou-se a divulgar o discurso de que as mulheres eram melhores para ensinar – e os salários delas eram mais baixos. Começou então a feminização do magistério. Até hoje as mulheres são maioria nas escolas.
Doido né? Nessa época as mulheres estavam reivindicando o direito de trabalhar fora de casa. Era o feminismo. E o magistério com baixos salários foi o jeito de alcançar essa reivindicação.
Os congressos de educação eram formas de convencer os professores sobre as reformas educacionais. Veja que a professora entrevistada denunciou que os dias de participação no congresso ainda seriam descontados nas suas férias!
Veja que no texto várias vezes aparece o termo normalista. O curso Normal foi criado nessa reforma educacional do final do século 19. Para trabalhar no grupo escolar era preciso ter o curso Normal, que era feito depois do Ginásio. Era a primeira vez que tinha curso específico para professores no Brasil.
Josephina Bento, que dá nome à Casa da Cultura de Betim, era uma professora normalista. Nascida em Ouro Preto, assim que terminou o Normal, ela foi contratada para dar uma “aula” no bairro Santo Afonso. Depois foi nomeada para o Grupo Escolar Afonso Pena e se tornou a professora negra mais famosa de Betim. Ela era apadrinhada por esses políticos famosos citados no livro.
A página 28 cita a famosa anarquista e feminista professora Maria Lacerda. O anarquismo é uma filosofia política que não acredita no poder do Estado. Defende que a sociedade precisa ser ensinada a governar a si mesma. Veja como a reforma educacional estava ligada às lutas pela emancipação feminina. Fala de coisas específicas da história de Belo Horizonte e de Minas, como as ruas de prostituição (Guaicurus é famosa), a formação do Barreiro, que era de fazendeiros e foi se tornando uma favela, a cachaça Salinas, etc.
O perfil do Dr. Araújo é uma crítica à corrupção na política mineira republicana. Assinava textos que não escrevia, tinha um acordo espúrio com a própria esposa, um poço de hipocrisia. Mostra como os políticos manipulam a imprensa…
Como bom historiador que é, o autor nos mostra o cotidiano na cidade de Belo Horizonte. As ruas, os bares, os puteiros, o cemitério, as rivalidades entre a imprensa governista e a oposicionista. Cita até o bonde, novo transporte público até então. Vai dando pistas de que o professor morto era anarquista e sua morte interessava às autoridades.
Sobre a incredulidade religiosa dos anarquistas: “ele acreditava que o mundo não tem razão nenhuma e que era aquilo que a gente faz dele”. Bonito isso né?
O livro denuncia as ligações do movimento modernista com a política tradicional desde seu início nos anos 1920. Muita gente vai a museus prestigiar as obras de arte do modernismo sem saber desses porões podres.
Então, é isto minha amiga! Até o nosso próximo encontro.
Ana Claudia Gomes é mestre em história pela UFMG, professora da Rede Municipal de Betim e pesquisadora da história de Betim.
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Leia outras crônicas e artigos sobre educação e literatura na coluna Cidades das letras: Literatura e Educação no Brasil de Fato MG
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Este é um artigo de opinião. A visão da autora não necessariamente expressa a linha editorial do jornal.