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A coluna Cidade das Letras: literatura e educação é mantida por Luciano Mendes de Faria Filho, que é pedagogo, doutor em Educação e professor  da UFMG, e por Natália Gil, que é pedagoga,  doutora e...ver mais

O que quer dizer educação não-formal?

A forma escolar foi alçada como parâmetro de educação

Por Luciano Mendes e Natália Gil

Logo depois da proclamação da República, ocorrida em 1889, foi criado no Brasil o Ministério da Instrução Pública, Correios e Telégrafos. Era essa a pasta que deveria cuidar das escolas públicas, já então as mais capilares instituições públicas em nossos territórios.

No entanto, criada em 1890, a pasta foi extinta logo em seguida, em 1892, denotando, talvez, o pouco apreço das elites republicanas pela instituição na qual diziam depositar grandes esperanças.

Passadas três décadas, em 1930 foi criado o Ministério da Educação e Saúde, pasta que, renovado o propósito, deveria cuidar das escolas públicas. É curiosa, no entanto, essa mudança de Ministério da Instrução Pública para Ministério da Educação. O que teria ocorrido nesse meio tempo para justificá-la?

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Há muitas explicações para isso, mas a que queremos reter aqui é que houve uma intensificação da presença da escola pública no espaço social e, cada vez mais, a educação em sua forma escolar foi sendo afirmada, e entendida, como sendo a “verdadeira educação”.

No século XIX, a instrução pública incluía, não apenas as escolas, mas também os museus, as bibliotecas e outros equipamentos que hoje a gente localiza no Ministério da Cultura.

No século XX, o projeto de educação da população vai tendendo a se restringir ao que acontece nas escolas e, no mesmo movimento, a educação pública veio sendo reduzida, pouco a pouco, àquela que ocorre apenas nas escolas públicas.

Uma vez afirmada a centralidade e superioridade da escola como sendo a “melhor forma” da educação, todos os outros modos de educar foram a ela subordinados. A forma escolar foi, desse modo, alçada como parâmetro para a nomeação e avaliação das demais.

Educação não-escolar, não-formal ou informal?

Os termos educação não-escolar, educação não-formal, educação informal são, assim, utilizados para designar aquelas formas educativas que não se enquadram no modelo escolar.

estudos de história e de sociologia da educação que nos contam desse processo de lenta mas contínua escolarização do mundo social, de tal modo que a educação escolar passou a ser produtora de parâmetros para a classificação dos sujeitos e da própria cultura. Quem nunca ouviu falar que tal ou qual sujeito é mais ou menos culto a depender de seu nível de escolaridade?

Como se cultura pudesse se restringir aos saberes escolares ou àquilo que se encontra nos livros e demais produtos culturais consumidos principalmente pelas elites que tiveram historicamente maior acesso à escola.

Quanta tinta já foi gasta para nos lembrar, por exemplo, que os políticos analfabetos são mais perigosos para a República do que os políticos-bandidos-doutores de colarinho branco, não é mesmo?

A questão que nos parece mais relevante é que, se relativizarmos a pretensão totalizante da forma escolar, veremos que não existe, de fato, uma educação informal ou não formal. A noção de “informalidade” tende a nos sugerir que seriam situações menos organizadas e talvez até pouco sérias. Portanto, essas não são boas formas para nomearmos os processos educativos que não se enquadram no modelo escolar de formação, muitos deles conduzidos de forma extremamente comprometida por grupos sociais variados.

Mesmo a educação que ocorre no ambiente familiar, por exemplo, quando observada pelos olhos atentos dos sujeitos que a constroem ou produzem, tem muito pouco de informalidade. Há práticas, espaços e tempos muito bem definidos, ainda que não muito rígidos, que, em conjunto, dialogam com tradições, sensibilidades, culturas e saberes muito diversos.

O que dizer, então, da educação que ocorre nos coletivos sociais, nas empresas, nas igrejas, dos terreiros, rodas de capoeira ou de samba?

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Conforme já argumentamos nesta coluna, considerar a forma escolar como superior às outras formas educativas pode não colaborar para o fortalecimento de movimentos e lutas sociais que almejam transformar o mundo.

Isso porque, ao confundir a educação com uma sua forma mais tradicional, a escola, jogamos para uma espécie de limbo boa parte dos processos educativos que, ao fim e ao cabo, constituem os sujeitos no mundo social.

Ao dizer não-escolar, não-formal ou informal, acabamos por definir tais processos educativos pelo que, supostamente, lhes falta ou por aquilo que não são (não são escolares, não têm forma), o que, definitivamente, não contribui para o reconhecimento de suas potências.

Luciano Mendes (UFMG) e Natália Gil (UFRGS) são editores da coluna Cidade das Letras do Brasil de Fato MG.

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Este é um artigo de opinião. A visão dos autores não necessariamente expressa a linha editorial do jornal

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