Como coordenadora do Comitê de Cultura do Distrito Federal, tenho a oportunidade de conhecer histórias que mostram a força criativa e, ao mesmo tempo, a invisibilidade de muitos agentes culturais do nosso território. A trajetória de Scarlett Pereira, conhecida artisticamente como Dona de Brasília, é um exemplo que ilustra essa realidade.
Scarlett mora em São Sebastião e atua como agente cultural desde 2018. É produtora cultural e apresentadora de eventos, atividades que começou a desenvolver ainda em 2014, de forma autônoma, com base na sua participação ativa em iniciativas culturais de sua comunidade. Mas, por ser uma mulher trans, preta e periférica, enfrentou dificuldades significativas para acessar oportunidades: no início, muitas vezes precisou trabalhar de forma gratuita e depender de contatos pessoais para mostrar sua capacidade profissional.
Foi com o acesso aos mecanismos públicos de fomento à cultura que sua trajetória se transformou. Participar de editais permitiu que ela desenvolvesse novos projetos, contratasse outros profissionais do seu segmento e fortalecesse sua atuação artística no território onde vive. Mais do que garantir remuneração pelo seu trabalho, o fomento possibilitou que ela se articulasse com outras pessoas, gerasse oportunidades e ampliasse o alcance da cultura em sua comunidade.
A história de Scarlett demonstra algo essencial: os agentes culturais já existem e atuam nos territórios, mas muitos seguem invisíveis para o poder público.
O Distrito Federal tem mais de 90 mil agentes culturais em atividade, segundo o “Panorama da Economia Criativa do DF” (Fecomércio/DF e UCB, 2023). No entanto, apenas 4.283 estão cadastrados no Ceac – Cadastro de Entes e Agentes Culturais da Secretaria de Cultura. Em média, mais de 80% da nossa cadeia cultural permanece à margem de instrumentos de fomento como o Fundo de Apoio à Cultura (FAC/DF) e a Política Nacional Aldir Blanc (PNAB), que se tornou permanente com a Lei nº 14.399/2022.
Esse abismo entre quem produz cultura e quem acessa as políticas públicas tem múltiplas causas: falta de informação, linguagem técnica complexa, barreiras digitais, exigências documentais e desigualdades sociais e territoriais.
Para enfrentar esse cenário, o Comitê de Cultura está realizando um mapeamento dos agentes culturais do DF. Nosso objetivo é descobrir quem são, onde estão e por que ainda não acessam seus direitos, para que possamos orientá-los e criar condições reais de inclusão.
Ao sistematizar esses dados, poderemos propor políticas públicas mais acessíveis, editais mais inclusivos e estratégias de formação e comunicação que permitam que trajetórias como a de Scarlett deixem de ser exceção e se tornem regra.
A política pública só cumpre seu papel quando encontra quem dela precisa. E o mapeamento que estamos realizando é o primeiro passo para que a cultura, como direito constitucional, chegue a todos os agentes que já existem e que fazem da arte uma força viva nos territórios do Distrito Federal.
*Deyse Hansa é coordenadora geral do Comitê de Cultura do Distrito Federal, gestora e produtora cultural.
** Este é um artigo de opinião. A visão da autora não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato DF.