Ouça a Rádio BdF
Crônicas para você ler num domingo preguiçoso, enfadonho, cheio de ressaca, até na praia, no açude, no rio, na mesa de bar, na rede da vó, sentado no vaso sanitário ou sobre o peito do seu amor. Vo...ver mais

Um passarinho me contou: conjuntura e segundo turno

A prática política tem semelhanças em vários lugares

Por Joel Martins Cavalcante*

Caro leitor, senta aqui e me escuta um pouco, porque essa história ouvi na segunda-feira, dia 07, de um passarinho que pousou em uma das plantas de minha varanda, e me vendo com o semblante triste, perguntou o motivo. Eu disse que o resultado da eleição no dia anterior, que eu tinha trabalhado até como mesário, me deixou daquele jeito. Ele disse ser um sentimento normal e passou a relatar o resultado eleitoral do local onde morava, numa cidade da Selva, um cantinho perdido no meio das matas fechadas.

Ele contou que tinham quatro candidatos disputando o posto de prefeito. Na arena política, tinha o Partido da Floresta, que – como o próprio nome diz – defende a floresta! O coitado do candidato deles não teve apoio de boa parte da direção partidária. A desconfiança em relação a ele, que já governou aquela região, é que seu histórico partidário não é tão lindo.

O passarinho disse que votou no florestista, apesar que muitos dos militantes resolveram apoiar, já no primeiro turno, o cara do Partido da Chama. Esse partido tem uma proposta que é meio assim: “A gente explora a floresta, mas jura que no fundo, bem no fundo, gosta dela”. E não é que o governador da Selva, que é do Partido da Floresta Moderado ao Centro, estava por trás desse apoio? O resultado, você já pode imaginar: o candidato florestista acabou em quarto lugar e declarou neutralidade no segundo turno.

Em terceiro lugar, de acordo com o passarinho, ficou o candidato do Partido da Madeira. Olha, esse tinha experiência eleitoral! Já disputou outras vezes e todo mundo jurava que ele ia deslanchar, pelo menos chegar ao segundo turno. Afinal, sua proposta era mais “equilibrada”: cortar madeira e plantar também! Aquela coisa mata e cura. Mas não vingou na mente e coração dos eleitores.

E o segundo turno? Ah, leitor, é aqui que a narrativa fica mais interessante. O candidato do Partido da Chama, que as pesquisas já davam como eleito no primeiro turno, viu-se obrigado a enfrentar o candidato do Partido do Fogo. O foguista tem uma proposta simples: “taca fogo em tudo e vamos ver o que sobra”. Exploração sem freio. Quando seu partido governou a nação houve caos geral em todas as áreas, sobretudo durante uma epidemia sanitária que matou milhares de seres vivos, levando parentes e amigos do passarinho, que relatou o fato com lágrimas nos olhos.

O passarinho num tom revoltado disse que os militantes do Partido da Floresta, que estavam desinteressados no primeiro turno e até largaram o próprio candidato, de repente, ressurgiram das cinzas. E sabe para apoiar quem? O candidato do Partido da Chama, o que explora a floresta, mas, com moderação. O fato do governador da Selva apoiar e a possibilidade de barganhar alguns cargos pesou na decisão.

Ah, e o candidato da Madeira? Declarou voto no Fogo. Perguntei o motivo ao passarinho. Ele relatou que o madeirista foi impedido de entrar em alguns locais da floresta porque os contrabandistas de madeira, minério e aves raras tinham fechado apoio com o chamista.

Enquanto isso, prossegue o passarinho, muita gente que disputou vaga para representante legislativo e que milita em defesa da floresta, não vai apoiar ninguém. Dizem que tanto faz, que é tudo a mesma coisa, seis por meia dúzia. E olhando para o futuro, você até entende, me disse, ressaltando que não importa quem vença, os rios continuam sendo poluídos, a floresta a ser derrubada, os bichos a perder espaço. A mobilidade da fauna, já escassa, vai piorando. O desmatamento avança, e a selva, que era verde e viva, vai virando cinza, terra seca.

Ele chegou mais perto de mim, pousou no meu ombro, e finalizou dizendo que na selva que um dia foi verde, mas que agora está nas mãos daqueles que veem nela apenas uma oportunidade de lucro. Seja qual for o desfecho, o cenário já é de desolação. E a floresta, essa, fica ali, quieta, esperando.

Cantou um canto triste. Bicou minha cabeça num gesto de carinho e voou. Fiquei pensando como a prática política tem semelhanças em vários lugares.

*Joel Martins Cavalcante é professor de História da rede estadual de ensino da Paraíba, membro da diretoria do SINTEP-PB e CUT-PB e militante dos Direitos Humanos e do Movimento Brasil Popular.

**A opinião contida neste texto não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.

Apoie a comunicação popular, contribua com a Redação Paula Oliveira Adissi do jornal Brasil de Fato PB
Dados Bancários
Banco do Brasil – Agência: 1619-5 / Conta: 61082-8
Nome: ASSOC DE COOP EDUC POP PB
Chave Pix – 40705206000131 (CNPJ)

Veja mais