Por Deyse Araújo*
Sou musicoterapeuta e atendo, no Sistema Único de Saúde (SUS), crianças e adultos com deficiência e autismo de toda a Paraíba. Meu ambiente de trabalho reúne profissionais com e sem deficiências, usuários diversos e famílias que lutam por reconhecimento, respeito e dignidade. Embora o SUS seja um projeto de cuidado integral, o capacitismo ainda se impõe, às vezes de forma velada, outras vezes escancaradamente.
Mas afinal, o que é capacitismo?
Capacitismo é toda forma de discriminação, preconceito ou tratamento desigual dirigido a pessoas com deficiência. Parte da ideia equivocada de que esses corpos são “menos capazes”, “menos produtivos” ou “menos dignos de autonomia”. É o olhar que reduz a pessoa à sua deficiência, como se sua existência fosse limitada por isso. É uma lógica que tenta “consertar” o sujeito que foge do padrão, sem considerar sua subjetividade, ao invés de transformar a sociedade para ser acessível a todas as formas de ser.
Outro dia, ao chegar no trabalho, um colega, pessoa com cegueira total, me reconheceu apenas pela voz quando dei bom dia. Ele respondeu: “Oi, Deyse. Como você está?” Seguimos por um breve momento de conversa até nos dirigirmos aos nossos setores. Logo depois, outra colega, que vinha logo atrás da gente, me perguntou, espantada: “Como ele consegue saber que é você?”.
Por um instante, concordei com a surpresa, mas logo me dei conta de que eu, pessoa sem deficiência visual, também consigo identificar algumas pessoas só pela voz, passos ou gestos, sem necessariamente vê-las. Essa pergunta, ainda que pareça inocente, revela o quanto o capacitismo atravessa nossas percepções, nos fazendo crer que pessoas com deficiência são menos capazes, menos atentas, menos tudo.
Muitas vezes, o capacitismo aparece no vocabulário do dia a dia, sem que a gente perceba. Expressões como “dar uma de João sem braço”, “coisa de retardado”, “você é cego?”, “não temos pernas para isso”, “se faz de surdo” ou “parece um autista” não são apenas inadequadas, são violentas. Reforçam estereótipos, zombam de características reais de pessoas com deficiência e colocam a deficiência como algo negativo, motivo de chacota ou inferioridade.
Da mesma forma, termos como “portador de deficiência”, “pessoa com necessidade especial” ou “deficiente” estão em desuso. O mais respeitoso, não só por uma questão de preferência, mas uma orientação legal e política baseada nos direitos humanos, é pessoa com deficiência, pois coloca a pessoa antes da condição e evita defini-la exclusivamente por ela. No caso de autismo, o termo recomendado é pessoa com autismo, pessoa dentro do espectro ou, simplesmente, perguntar como ela deseja ser chamada. O respeito começa pela linguagem, mas não termina nela: exige escuta, mudança de práticas e transformação real nas relações.
Nós, enquanto sociedade, precisamos parar de tratar pessoas com deficiência como seres frágeis ou como “exemplos de superação”. Elas não existem para nos inspirar. Existem para viver, com direitos, desejos, potências e a dignidade que todo ser humano merece.
*Deyse Araújo é musicoterapeuta. Atende pessoas com deficiência e autismo pelo SUS.
**Este é um artigo de opinião e não necessariamente representa a linha editorial do Brasil de Fato.
Apoie a comunicação popular, contribua com a Redação Paula Oliveira Adissi do jornal Brasil de Fato PB
Dados Bancários
Banco do Brasil – Agência: 1619-5 / Conta: 61082-8
Nome: ASSOC DE COOP EDUC POP PB
Chave Pix – 40705206000131 (CNPJ)