Nós, os (as) 291 professores e professoras, estudantes, educadores e educadoras populares, militantes dos movimentos e organizações populares do campo, gestores e gestoras participantes do I Encontro Nacional do Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária (Pronera), reunidos em Brasília (DF) no período de 30 de junho a 4 de julho de 2025, chegamos fortalecidos nas memórias potentes da história das conquistas e construções que fizemos até aqui e da capacidade de sonhar e lutar coletivamente.
Somos herdeiros e herdeiras das ocupações, dos acampamentos, quilombos, das marchas e lutas camponesas. Trazemos as marcas do sangue do Massacre de Corumbiara (1995) e do Massacre de Eldorado dos Carajás (1996).
Somos frutos da terra e territórios conquistados e em resistência e da luta pela transformação dos direitos em políticas públicas.
Fomos forjados e forjadas nas longas noites de ameaças, debaixo das lonas pretas e das choças; no sangue e no luto dos nossos mortos, no silêncio da dor e no renascimento em luta. Somos filhas e filhos da esperança teimosa e da alegre construção das nossas escolas do campo.
Somos parte dessa política pública cuja condução democrática e participativa reconhece os movimentos e organizações populares do campo como os legítimos protagonistas, participando da Comissão Pedagógica Nacional com o tripé: governo, instituições educacionais, movimentos e organizações populares do campo.
Constitui-se princípio fundamental da existência e prática social do Pronera, a luta pela Reforma Agrária Popular; a Agroecologia e a produção de alimentos saudáveis; a luta por uma educação transformadora, socialmente referenciada nas lutas emancipatórias da classe trabalhadora do campo e ambientalmente comprometida com a preservação e recuperação dos ecossistemas e biomas nacionais.
Atravessamos um período adverso às forças democráticas e populares, de retirada de direitos fundamentais, cuja ameaça à permanência do Pronera como política pública esteve na ordem do dia daqueles que se esforçaram diuturnamente para destruir o país e suas conquistas populares. Resistimos avançando. Aqui estamos concluindo o trabalho coletivo de reconstrução, mas conscientes de que a ameaça segue à nossa espreita.
O Pronera é indissociável das lutas em defesa da educação pública, da democracia e pela superação do modo de vida capitalista. Sua história materializa o direito a ter direitos e o protagonismo dos sujeitos coletivos do campo como construtores e defensores do Estado Democrático de Direito.
A presente declaração reafirma valores e princípios que orientam o Pronera em sua missão de garantir o direito à educação como instrumento de superação das desigualdades sociais, transformação social e justiça no campo brasileiro, compromissos que assumimos em comum para estes novos tempos:
1. O Pronera se constitui em laboratório de formulação da compreensão de Campo – Educação – e Políticas Públicas como categorias indissociáveis no projeto educativo da Educação do Campo;
2. O vínculo orgânico e permanente do Pronera é com os movimentos e organizações populares de luta pela Reforma Agrária, os legítimos sujeitos da Educação do Campo;
3. A Educação é um direito humano universal, essencial à emancipação dos povos do campo e da cidade. O Pronera reforça o princípio da luta permanente por uma educação libertadora, crítica, criativa e inclusiva, comprometida com a superação das desigualdades e na construção de uma sociedade socialista.
4. A concepção de Educação do Campo que o Pronera ajudou a construir promove uma educação contextualizada à realidade agrária brasileira, intrinsecamente vinculada ao projeto de campo e à concepção de política pública, de educação e de formação humana construída e defendida pelos movimentos e organizações populares do campo. Constituindo-se enquanto uma ferramenta de fortalecimento e construção do projeto de agricultura familiar camponês agroecológico, em contraponto a superação à pedagogia do capital ligada aos interesses do agronegócio que gera doenças, violências, mortes e destruição dos seres humanos e da natureza.
5. Valorizamos o estudo sistemático e rigoroso da realidade e visamos a formação de intelectuais coletivos da classe trabalhadora do campo. Nessa direção, entre os vários componentes curriculares de nossos cursos não podem faltar estudos da Questão Agrária, Economia Política, Questões Étnico-raciais, Ecologia Crítica, Realidade Brasileira, Cultura e Comunicação Popular, além da leitura assídua de obras literárias e organização de espaços para todas as linguagens artísticas.
6. Os Projetos político-pedagógicos dos cursos, nos diferentes níveis de escolaridade e áreas do conhecimento devem estar vinculados à realidade camponesa, na construção da práxis agroecológica, respeitando a diversidade cultural, os diferentes sistemas de conhecimentos e modos de vida, respeitando os saberes das comunidades locais, valorizando-os e articulando-os com os conteúdos pedagógicos das ciências e das artes, promovendo assim, o diálogo de saberes;
7. Compreendemos a alternância de tempos e espaços de estudo e trabalho como um método fundamental para garantir o acesso e permanência das pessoas do campo às ações educativas do Pronera e na direção de uma formação humana integral de raiz camponesa. Buscamos formar pessoas e coletivos para uma atuação organizada, crítica e criativa na sociedade, assegurando estudos teóricos, práticas comunitárias e articulando diferentes formas de conhecimento, linguagens e dimensões formativas na perspectiva da transformação social.
8. A educação profissional é indissociável de uma educação geral, integral, sólida e omnilateral, mediada pela relação entre os diferentes sistemas de conhecimento, o trabalho, a ciência, a natureza e a cultura.
9. Reconhecemos a Ciranda Infantil como um espaço educativo primordial, conquistado pelas mulheres, que contribui para a permanência de educandas e educandos nos cursos, assim, como garante direitos sociais das filhas e filhos da classe trabalhadora do campo.
10. As ações educativas do Pronera exigem uma forma própria de gestão que organize a atuação coletiva e autônoma das trabalhadoras e trabalhadores a quem se destina. Para tanto, desde a ideia embrionária da elaboração de projetos do Pronera até a conclusão dos projetos é exigência a participação integral e efetiva dos movimentos e organizações populares do campo.
11. A necessária elevação dos níveis de escolaridade e da oferta de educação superior, não podem substituir nem prescindir do compromisso com a superação do analfabetismo por meio das ações de alfabetização.
12. É compromisso do Pronera a inclusão de todos os sujeitos, sem distinção de gênero, raça, etnia, religião, orientação sexual, identidade de gênero, deficiência ou neurodiversidades, bem como o combate a todas as formas de discriminação e preconceito garantindo acesso prioritário a grupos historicamente excluídos.
Estes compromissos nos somam na construção do projeto educativo da classe trabalhadora do campo e requerem da política pública as condições para implementá-los.
Para tanto, há de superar os desafios persistentes do Pronera, especialmente a instabilidade orçamentária que causa insegurança às instituições de ensino, aos e às estudantes e prejuízos aos processos educativos no âmbito dos projetos implementados.
Reafirmamos o Pronera como luta e conquista da classe trabalhadora do campo a ser defendido como parte da construção do poder popular.
Vida longa ao Pronera!
Brasília, DF, 04 de julho de 2025.